terça-feira, 11 de setembro de 2012


O efeito coletivo da arte
Segundo pesquisa, os apreciadores de manifestações artísticas tendem a ser mais altruístas e tolerantes. A preocupação com o próximo costuma aumentar com a idade, mas é preciso ser provocada, assim como o interesse pelo belo, ainda na infância. www.correioweb.com.br 11.09
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Admirar a arte deixa estudantes mais altruístas, engajados civicamente e socialmente tolerantes. A prova concreta dessa afirmação vem de uma escola pública em Annapolis, nos Estados Unidos. Lá, professores procuram estimular os alunos a apreciarem pinturas, peças, danças e músicas de uma forma diferente. O novo olhar tem efeitos estatísticos. Desde 2009, há uma redução das suspensões — a queda chegou a 23% — e um aumento nas habilidades dos estudantes na leitura de textos e nos exercícios de matemática.

O programa de arte visual e performática integrado ao currículo não segue uma linha tradicional. Há uma conexão com outras disciplinas. Na aula de ciência, por exemplo, estudantes elaboram coreografias para demonstrar a rotação e a revolução dos planetas. Na de matemática, aprendem a resolver problemas examinando a composição de um dos mais famosos quadros de Andy Warhol, o Campbell’s soup cans.

No Brasil, há projetos parecidos. A professora de artes e coordenadora da educação infantil e primeiro ano do ensino fundamental do Marista, Luciana Santos, afirma que a arte dentro do campo escolar é conhecimento. “Temos um esforço para realizar trabalhos na escola que potencializam certas ações na criança. Com isso, ela tem mais conexão com a sensibilidade, o que melhora os aspectos emocionais”, diz. “Antes, a sociedade via que a arte era simplesmente pintar e desenhar. Esse contexto chegou à educação, mas está mudando. A arte, na verdade, vem do fazer, do criar e do contextualizar.”

Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Illionois em Chicago (UIC), nos Estados Unidos, indica o mesmo sentido. A pesquisa teve a participação de 2.765 adultos selecionados aleatoriamente em exposições, apresentações de dança, de música e de teatro. “Mesmo depois de controlarmos o estudo por idade, raça e educação, descobrimos que a participação em artes até mesmo como audiência pode trazer engajamento cívico, tolerância e altruísmo”, afirma Kelly LeRoux, principal investigadora do estudo e professora assistente de administração pública da UIC.

O comportamento altruísta foi mensurado por meio de perguntas que questionavam situações do tipo carregar algo para um estranho, doar sangue, dar direções a alguém perdido e devolver o troco errado ao caixa. “Se alguns políticos estão preocupados com um declínio na vida da comunidade, a arte não pode ser deixada de lado, já que ela promove atividades de cidadania”, diz LeRoux. “Nossas descobertas positivas podem fortalecer o suporte governamental para esse setor”, acredita.
           
Damiana vai ao hospital conversar com pacientes e pintar retratos de alguns deles

Caráter
Damiana Tenorio Leoi, aposentada, 63 anos, se interessa por arte desde pequena, mas passou a dar mais atenção a ela nos últimos 10 anos, depois de se aposentar. “Quando trabalho com arte, pintura, crochê, fico mais leve e feliz. Passo o tempo feliz. O belo faz bem à alma. Ficamos com um coração mais leve, brando e bonito”, comenta.
Voluntária do Hospital Universitário de Brasília (HUB), ela leva o amor à arte e as transformações causadas por ela aos pacientes. “Fazemos esse trabalho para que as horas sejam menos difíceis, falamos que vai melhorar, apresentamos textos e pintamos as moças”, conta. “Saio de lá feliz porque muitas pessoas ficam tão tristes tomando aquela injeção. Você tenta, por meio da conversa, fazer com que o doente não veja as horas passando. Todo artista é uma criança.”

Professora de pintura de Damiana, a pintora Schirley Indig pondera que o altruísmo é algo que nasce com a pessoa: “A pintura não tem o poder de modificar o caráter de ninguém. Já encontrei pessoas que pintavam muito bem e apreciavam a arte, mas não tinham caráter nem possibilidade de mudar o modo de ser”. De acordo com Schirley, esse poder transformador da arte sobre uma pessoa só seria eficaz se, desde cedo, ela fosse estimulada a apreciar as atividades artísticas. “Se você deixa uma criança chegar à adolescência sem informações, dificilmente mudará o caráter dela. O caráter dos seres humanos é formado por diversos elementos: amor, carinho, assistência, respeito e também a arte.”

Entra aí, então, a importância da escola e dos pais em despertar o interesse pelas manifestações artísticas nos pequenos. Mariana Medeiros, 18 anos, pinta desde mais jovem e faz aulas de pintura. “No vestibular, minha primeira opção é arquitetura, a outra é teoria crítica e história da arte”, conta. Amiga de Mariana, Camila Zacarias, 17 anos, é criada em um ambiente no qual é costume frequentar museus e ir a exposições. “Eu gosto de ver as obras e observar as pessoas fazendo. Mas gosto mais da parte de colagem e de desenho propriamente dito”, conta. Estudantes do Sigma, as amigas participaram recentemente da Semana de Artes Modernas da instituição.

Paralelo ao trabalho desenvolvido na escola, as duas vão, uma vez por mês, a uma creche para desenvolver um trabalho voluntário com crianças. Mariana conta que, ao fazer arte, você passa a pensar no outro. “É preciso que a pessoa que está observando entenda e sinta o que você quer passar. Isso acontece quando se faz uma música, um desenho, uma apresentação teatral, um texto. E acaba nos incentivando a olhar mais para o próximo.”
           
Camila e Mariana fazem arte desde pequenas. Para elas, isso as ajuda a entender o próximo

Sofrimento
A pesquisa de LeRoux indica que o engajamento social entre os apreciadores da arte costuma aumentar quando eles vão ficando mais velhos. O servidor público Marcus Vinicius Marques, 51 anos, foi apresentado ao teatro ainda pequeno e voltou a praticá-lo quando completou 40, quando já estava envolvido em projetos voluntários. “Uma pessoa que mexe com artes tem que ser altruísta porque lida com os sentimentos e as emoções dos outros. A arte pode minimizar um sofrimento, estimula a pensarmos no outro. Um trabalho desenvolvido com uma pessoa que está no leito do hospital traz uma visão diferente para nós do teatro”, acredita.

 A boa vontade de Marcus Vinicius beneficia moradores do Distrito Federal e do Entorno. “Já participei de ONGs e realizei trabalhos em grupos pequenos e individuais. Distribuí alimentos, calçados, gêneros de primeira necessidade, fiz projetos com crianças carentes, visitas a idosos, a pessoas que moram debaixo de pontes”, lista.

Felipe Berquó, estudante de mestrado de 23 anos, uniu o útil ao agradável quando se viu em uma situação estressante. “Saí do meu emprego no ano passado e quis mudar de vida, fazer uma coisa que não fosse só minha. Eu conheci a Abrace e eles me indicaram para participar do projeto Sinfonia da Saúde do Hospital da Criança de Brasília.” No projeto, ele realiza apresentações musicais para entreter as crianças com câncer, seus familiares e os funcionários da instituição. “Eu utilizava a música para relaxar. Quando estava estressado, pegava o violão e tocava. Tocar no hospital me ajuda, assim como ajuda eles”, garante.
           

Uma pessoa que mexe com artes tem que ser altruísta porque lida com os sentimentos e as emoções do outro. A arte pode minimizar um sofrimento”
Marcus Vinicius Marques, servidor público e ator


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Cinema de muitos
Para driblar as dificuldades no Distrito Federal, diretores, criadores e empresas unem-se em coletivos de produção. Correio destaca cinco grupos de realizadores. www.correioweb.com.br 11.09

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Essencialmente, o cinema é uma arte feita em equipe. No Brasil, alguns realizadores têm estendido essa premissa para além da criação de um filme, unindo forças em torno de grupos de profissionais cinematográficos. Em outros estados brasileiros, esses coletivos de cinema têm sido responsáveis pelo aparecimento de experiências importantes de linguagem, caso do laboratório empreendido pelos mineiros da Teia. No Ceará, o Alumbramento (Estrada para Ythaca, Os monstros) encarou narrativas feitas com muito pouco dinheiro. No DF, a reunião de esforços assume diferentes identidades e modos de produção. O Correio rastreou algumas dessas ações.


           
Lema social
A principal característica do coletivo Muruá é o envolvimento com ativismo social. Formado há cinco anos, o grupo de quatro integrantes é guiado por um lema: “É possível conciliar nossas ideologias com o trabalho que a gente desempenha. É a comunicação como ferramenta de transformação”, declara Alan Schvarsberg, um dos participantes. Não existem hierarquias no trabalho do grupo. As decisões em torno da administração dos serviços são feitas de forma coletiva. “Não agregamos pessoas de fora do coletivo sem o desenvolvimento da proposta horizontal. Trabalhamos com ativismo social. Nossa visão é de profissional independente. Não temos funcionários. Não tem essa coisa de empresa. É um coletivo”, descreve Antônio Francisco.

Muruá
» Ditadura da especulação (co-produção), de José Furtado
» Brasília, rizoma da cultura popular (documentário em produção), de Alan Schvarsberg
» Maio, nosso maio (animação), de Farid Abdelnour
» Roda mundo, de Antônio Francisco
» Rua Cinema Nosso (mostra de cinema)


           
Força dupla
No dia da entrevista com os integrantes dos coletivos Projeto Nome e Kinólatras, o foyer da Sala Villa-Lobos ganhou ares de grande evento, tamanha era a quantidade de integrantes dos grupos. Os dois coletivos funcionam como vasos comunicantes interligados por projetos audiovisuais. Além de completarem rodízio em uma produção ou outra, os participantes também se revezam entre as funções de uma mesma produção. Sem patrocínio, as criações do Projeto Nome são bancadas por mensalidade pagas por cada um. “Nós nos reunimos uma vez por mês no Espaço Cultural da 508 Sul e recolhemos as contribuições. É a única parte burocrática do grupo”, explica Rodrigo Huagha. No caso dos Kinólatras, as atividades não são agendadas. “Nós nos organizamos de forma bem orgânica, não tem periodicidade. Temos uma ideia e vamos conversar”, explica o cineasta Gustavo Serrate.

Projeto Nome e Kinólatras
» Infrator, de Gustavo Serrate e Rodrigo Huagha
» Bastar, de Gustavo Serrate
» Kinólatras (2012), de Gustavo Serrate, Rodrigo Huagha e Tiago Belotti
» Sinuca, pôquer e algumas joias para barba (longa-metragem), de Erdman Correia
» Projeto nome (longa-metragem), direção coletiva


           
Casa de criação
A sede do coletivo Caza Filmes não é uma residência, mas uma sala comercial de um shopping center no Lago Norte. No dia a dia, trabalham os cineastas Viça Saraiva e Érico Cazarré, mas a sede acolhe projetos audiovisuais de diversos realizadores em sistema de parceria. Não raro, os criadores se revezam para desempenhar outras funções nos filmes tocados pelo coletivo. “Quem traz um filme para cá tem de estar disposto a falar e a ouvir. Alguns projetos ficaram diferentes ao longo do tempo, mas dificilmente saem do mesmo tamanho”, filosofa Cazarré. O ator Juliano Cazarré, no ar como o Adauto, de Avenida Brasil, enxerga, no coletivo, a possibilidade de trabalhar com os irmãos, Érico e Marieta. Ao lado do primeiro, ele dirigiu e atuou no curta Véi enquanto finaliza a animação Roza, com a irmã. “Sempre tive esse sonho de trabalhar com a família. Acabei trilhando um caminho sozinho, mas sempre achei que daria para conciliar trabalhos com eles”, declarou.

Caza Filmes
» A arte de andar pelas ruas de Brasília, de Rafaela Camelo
» Expedição Abrolhos, de Érico Cazarré e Márcio Miranda
» Elemento de fixação, de Murilo Seabra
» Véi, dos irmãos Cazarré
» A caroneira, de Otávio Chamorro e Tiago Vaz
» Zé do Pedal, acima da terra e abaixo do céu, de Viça Saraiva e Márcio Garapa
» O menino e o mendigo, de Renata Diniz (pré-produção)
» Atrás do muro, Murilo Seabra (em finalização)


           
Ceilândia livre
O coletivo de cinema de Ceilândia nasceu da completa falta de representação da cidade de 400 mil habitantes no audiovisual. A gestão dessa história de resistência, no entanto, é bastante relaxada. “Partimos da premissa de que cada um pode fazer o que quer. O coletivo é um ponto convergente, um catalisador. Existe liberdade para assinar como coletivo ou individualmente”, descreve o cineasta Adirley Queiróz (foto), um dos membros mais ativos. “As discussões agregam muito. Não teria tanta invenção no universo que eu quero representar sem o coletivo”, reconhece Queiróz. Atualmente, os integrantes estudam a inclusão da produção de material crítico de cinema escrito por seus integrantes.

Ceicine
» Rap, o canto da Ceilândia, de Adirley Queiroz
» Dias de greve, de Adirley Queiroz
» Fora de campo, de Adirley Queiroz e Thiago Mendonça
» A cidade é uma só?, de Adirley Queiroz


           
Célula produtora
A Casa 30 é a reunião de cinco empresas: TMTA Comunicação, Pavirada Filmes, Start Filmes, Quartinho Direções Artísticas e Menina dos Olhos. Pela sede do grupo, uma casa de dois andares de número 30, localizada na Asa Norte, circulam pelo menos 21 pessoas diariamente entre sócios, funcionários e estagiários. O maior cômodo abriga uma área de trabalho em comum e as subdivisões entre as empresas preenchem o espaço. “Casa 30 é um selo da reunião das empresas. Um guarda-chuva para projetos audiovisuais, publicidade, design e direção artísticas ”, explica um dos sócios, Cléber Machado. A parte administrativa é tocada como em um condomínio. “Toda primeira segunda-feira do mês nos reunimos para discutir as questões administrativas e os próximos projetos”, explica Maíra Carvalho, uma das sócias responsável pelo núcleo Quartinho. A última investida da Casa foi a inclusão de um núcleo educativo (Menina dos Olhos) e a realização do Curso de Cinema para Crianças.

Casa 30
» Colher de chá, de J. Procópio
» Bibinha, a luta continua, de Adriana de Andrade
» O último cine Drive-in, de Iberê Carvalho (pré-produção)
» Maria Lenk — A essência do espírito olímpico, de Iberê Carvalho
» Lançamento do DVD Cinema para crianças, com filmes produzidos pelo coletivo;
» Festa contraplano (realizada durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro)
» O fim e os meios, de Murilo Salles (coprodução)
» A turma da Camber e a fantástica história do Patinho Feio, de Denilson Félix (coprodução)



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