domingo, 10 de abril de 2016

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ENTREVISTA /CARLOS HEITOR CONY »
"O Brasil é um Frankenstein"
Escritor e jornalista se mostra pessimista com o rumo que o país está tomando, relembra da amizade com JK e ataca a presidente Dilma
CORREIO BZB 12.03


Rio de Janeiro — Na sala de seu apartamento na Lagoa, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, que completa 90 anos amanhã, aparece em cadeira de rodas conduzido pelo enfermeiro. Em sua estante, a foto com o fardão da Academia Brasileira de Letras fica ao lado de livros e objetos ligados aos tempos em que esteve no seminário católico e que convivem pacificamente com o menorá (símbolo judeu) da esposa, Beatriz, companheira de quase 40 anos.

Depois de um acidente em 2013, em uma viagem para a Alemanha, no qual bateu a cabeça e teve um coágulo no cérebro — que afetou o movimento do lado direito do corpo. Uma das coisas que o deixou mais chateado foi quando um cheque seu voltou porque a assinatura não batia, a mão ainda treme um pouco. Avesso a comemorações, não planejou nada para o dia do aniversário. Não quer saber de festa.

Atualmente, vive recluso, cuidado por três enfermeiros, que se revezam. Mas isso não o impede de escrever e gravar programa diário de rádio. Conta que agora a vida é “trabalhar e tomar remédios” (risos).

O escritor não esconde seu pessimismo com a vida e com o Brasil.  “O país é um Frankenstein, feito de pedaços dos outros e que não tem identidade”, afirma. Ele se diz contra qualquer governo e, para ele, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fariam um favor ao Brasil se fossem embora do país.

O escritor define Dilma como uma “louca não saudável” e sem credenciais para continuar no poder. Já deveria teria renunciado. “Ela não tem sensibilidade para administrar nem uma lojinha de secos e molhados. Mas é isso. Não vejo muita saída para ela, não”, pontua. No seu entender, Lula é um ditador, apesar das qualidades de conseguir falar com o povo. “Ele tem a semente da ditadura. Qualquer coisa apela para militância.”

Além da fumaça do charuto, o que mais o agrada são as cores preta e  branca. O colorido confunde, segundo ele.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio na última quarta-feira.

O senhor que já viveu vários momentos da
história do país, agora vai fazer 90 anos, como
está vendo esse momento atual da política brasileira?
Eu não sei se eu vivi tanto assim. Numericamente, sim. Temporalmente, sim. Mas eu tive uma vida até certo ponto reclusa, a não ser no trabalho. Tinha a necessidade de trabalhar — porque eu nunca fui rico, não ganhei herança, não descobri petróleo. Então, tive que trabalhar. E, trabalhando, fiquei um pouco com aquele troço de “nasci cansado”. Tem um verso que eu ouço muito e pode tomar nota porque serve para você também. “Meu avô morreu na luta, meu pai pobre cansado, fatigou-se da labuta e por isso nasci cansado.”  Esses versos são de Orestes Barbosa. Um letrista famoso. Mas definem tudo. Meu cansaço, minha reclusão, é anterior a mim mesmo.

O senhor é pessimista?
Eu sou pessimista. Considero o otimismo má informação. Só pode ser otimista o sujeito mal-informado. Quanto mais informação você tem, mais você tende a ficar pessimista. Não vou dizer que eu não tenha sido feliz. Dentro da condição humana, procurei ser o mais humano possível. Mas não cheguei lá.

Com este cenário político em ebulição, com tantas
mudanças e reviravoltas. Como o senhor avalia
o momento que o Brasil está passando?
Eu me defini com um sujeito pessimista. Nunca fui otimista, sobretudo em relação ao Brasil. Sobretudo em relação à vida. Considero a vida uma coisa estranha e eu sou mais estranho que a vida. E o homem continua insistindo. Fez coisas maravilhosas na arquitetura, na pintura, na música e na literatura. Mas dificilmente ele ficou satisfeito. O cenário principal do escritor é a solidão e o silêncio. Sempre que posso, fico escondido. Quando era criança, meu lugar preferido era ficar embaixo da mesa da sala de jantar. Quando minha mãe ia me procurar, me achava embaixo da mesa. Eu ficava em silêncio. De chupeta na boca. Eu via o mundo da cintura para baixo. Como nos desenhos do Tom&Jerry. Minha paisagem era essa. E quando eu fui obrigado a me levantar, não achei muito divertido, não.

O senhor não gostou do que viu,  mas teve uma
produção bastante intensa, com 17 romances, contos, crônicas...
Sempre fui um bom trabalhador. Não fui preguiçoso. Se eu não tenho uma obra boa, eu tenho uma obra vasta, mas não me sinto realizado.

Por quê? O senhor ganhou vários prêmios...
Para você ter uma ideia. Eu fui preso seis vezes. Sempre por motivos políticos. As prisões variaram de tempo e de lugar. Geralmente, eram em quartel. Eu fiquei preso desde uma semana até seis meses. Estranhamente, foi talvez o lugar e a temporada mais livres que eu tive. Primeiro, porque estava no lugar certo. Não precisava mais dar opinião nenhuma e não gastava dinheiro. A sensação era que eu estava no lugar certo. Eu lembro que uma das minhas prisões foi no Natal e ano-novo. Fiquei tão satisfeito em estar preso. Sempre tive essa desconfiança de não estar no lugar certo. De ser o homem errado no lugar errado. Sou um homem errado no lugar errado. Ao contrário do right man in the right place. Sou o homem errado e me sinto aparentemente bem no lugar errado.

O senhor foi um dos que defenderam a saída do presidente João Goulart e
também apoiou o golpe de 1964 com o editorial Basta! Depois, o senhor
deu algumas declarações de que tinha se arrependido de ter apoiado...
Eu não me arrependi, não. Muita gente fala isso. Primeiro, me atribuem ter escrito os dois editoriais famosos do Correio da Manhã. Eu era editorialista. Aqueles dois editoriais  Basta! e Fora! não foram escritos por mim. Participei como autor do texto final. Mas não mexi no texto. Tirei advérbio de modo, tirei uma vírgula, botei uma vírgula, mas não fiz o editorial. Agora, o Correio da Manhã vinha numa campanha muito feroz contra o João Goulart. Elio Gaspari tentou descobrir quem é o autor e não descobriu... (risos)

E quem foi?
A lenda é que teria sido eu o autor. Porque eu escrevia muito contra o governo. Não contra o João Goulart. E acharam que o estilo também era meu. Fiz o texto final na realidade, mas o conteúdo não, de jeito nenhum. Eu não teria feito aquilo. Agora, minha obrigação de editorialista era tirar certas palavras muito pouco usadas naquele tempo, como necrópole ou nosocômio, como sinônimo de hospital. Eu não mudei de ideia. Tem gente que acha que eu mudei de ideia. Assim como que não aprovava o governo de João Goulart, que eu achava que era mau-informadamente (sic) socialista, achava também que o golpe de estado e, sobretudo, as medidas ditatoriais mereciam repúdio. E expressei esse repudio em 2 de abril daquele ano, um dia após o golpe, eu escrevi uma crônica, não uma coluna de política. Não me considero colunista. O cronista comenta o fato do dia. E eu comentei os movimentos que eu vi como um cronista. Eu não era político. Eu nunca gostei (de política).

O senhor foi preso na mesma época que Juscelino Kubitschek.
Como foi a convivência com o ex-presidente?
Foi na época do AI-5. Eu fui preso antes. Juscelino foi levado para um quartel em São Gonçalo. Mas, aí, a família começou a se mexer, e o doutor Aloísio Sales escreveu uma carta dizendo que o Juscelino tinha pressão alta, diabetes, e conseguiram que ele saísse antes do Natal. O AI-5 foi em 13 de dezembro de 1968 e ele saiu antes no dia 22 ou 23. Ele tinha ido ao Theatro Municipal do Rio para uma festa de formatura e, quando ele estava saindo, um oficial deu um chute na canela e ele não caiu no chão por sorte. Agora, eu fui preso no mesmo dia do AI-5, por volta das 21h, e fui para outro quartel, em São Cristóvão. E fiquei lá até depois do carnaval. Essa foi minha segunda prisão.

E como o  senhor teve contato com ele
para escrever as memórias de JK?
Nunca tive contato antes de escrever a biografia. Fui convidado pelo Adolfo Bloch (dono da Manchete) para escrever a biografia do ex-presidente. Mas quem assina os livros é o próprio JK. Escrevi em primeira pessoa e ele lia antes e aprovava antes de mandarem imprimir. Na parte final, que era duro. Eu não toquei nos problemas particulares dele com a dona Sara. Dormiu várias vezes no meu carro. Passei por cima disso.

Mas por que ele não se divorciou?
Ele nunca faltou ao respeito com a dona Sara publicamente. Ela, volta e meia, queria o desquite. Mas Juscelino morreu com a esperança de ainda ser chamado para voltar para a política. E ele achava que um homem desquitado, divorciado, seria um elemento contra ele. Por isso, não queria se divorciar de jeito nenhum, mas vivia com a amante dele, a Lucia (Maria Lúcia Pedroso). Viajava com ela. Esteve em Paris com ela, inclusive. Há um famoso equívoco, e muita gente embarca nisso até hoje, de que ele teria ido para Rio no dia em que morreu para se encontrar com a Lúcia. Mas não é verdade. Ele veio ao Rio porque tinha uma reunião com advogado que acabara de chegar de Lisboa. JK estava respondendo a um processo em Portugal. O advogado era o português Adriano Moreira. Uma senhora muito poderosa comprou um terreno perto de Setúbal e fez uma espécie de resort e incluiu dois brasileiros como membros do conselho consultivo, e Juscelino era um deles, com mais 15 pessoas. Ele já tinha cumprido a pena de cassação de mandato. E se fosse preso em Portugal, atrapalharia seus projetos políticos. Ele tinha marcado um almoço no Rio com o advogado e não queria que ninguém soubesse. Tinha uma passagem para Brasília e mostrou para todos, inclusive para mim, mas não foi. Combinou com o motorista e veio o desastre.


Tapete vermelho...
Antes da entrevista, enquanto saboreava um chocolate, Carlos Heitor Cony relembrou sua primeira crônica para a revista Manchete. Tapete vermelho era o título do texto que escreveu  sobre a visita da rainha Elisabeth II ao Brasil. “Ela se hospedou no Hotel Nacional em Brasília. Eu não fui lá, mas minha crônica dizia que essas pessoas famosas, rainhas, presidentes e atrizes, devem achar que o mundo é vermelho porque só pisam em tapetes vermelhos”, afirma. “Na cabeça deles, o mundo é forrado por um tapete vermelho. As considerações paralelas, o que significa a fama, são secundárias. O fato é que, quando eles morrerem, vão pensar que a terra é toda vermelha”, brinca ele, rindo. “Foi minha primeira experiência em cor. Antes, no Jornal do Brasil e no Correio da Manhã era só preto e branco. Não havia cor em minhas crônicas. Mas eu nunca gostei muito de cor. Sinceramente (risos)... Eu prefiro jornal em preto e branco. Porque a vida é preto e branco, embora tenha muita cor”, afirma. “O mundo colorido dispersa muito ao passo que o preto e branco, ou é preto ou é branco. Ou é bom ou é mau. Ou é bonito ou é feito. Está mais de acordo com a formação antológica do homem. Quando você vê cor, há equívocos”, completa.




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