domingo, 28 de junho de 2015
,
Opinião
Washington Novaes
Rotas difíceis na ciência (O POPULAR GO 04/06/2015)
Que se pretende fazer para que o Brasil supere a
crise que o afoga, não apenas neste momento, mas em períodos intermitentes na
história das últimas décadas? Seja qual for a resposta, ela não poderá passar
ao largo das trajetórias da ciência e da inovação tecnológica, capazes de
propiciar avanços consistentes e saltos em certos momentos. Mas quem tenha
acompanhado nas últimas semanas o noticiário nessas áreas certamente terá tido
razões de sobra para se afligir.
Um exemplo: o Brasil demora 11 anos, em média, para aprovar novas
patentes (O Estado de S. Paulo, 25/5), enquanto a Colômbia e o Peru o fazem em
três anos. Entre 20 países pesquisados, ficamos em 19º lugar, à frente apenas
da Polônia. Na área de telecomunicações, são 14 anos para patentear, e cobramos
mais impostos, ao contrário do que fazem os Estados Unidos e a Coreia do Sul,
líderes do mercado mundial do setor.
Em “processo de sucateamento”, o órgão que aprova
patentes por aqui, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que
em 2003 levava em média seis anos para aprovar uma patente, hoje leva 11 e tem
184 mil pedidos à espera de decisão. Que se espera que aconteça em mercados que
se transformam em alta velocidade, quando só 192 pedidos foram examinados entre
nós no último ano pesquisado (um em cada 910 processos)? E quando grandes
concorrentes como os Estados Unidos, examinaram um em 77? Tecnologias podem
ficar obsoletas, como as que pediram patentes aqui em 1997 e ainda aguardam.
Não por acaso, os gastos anuais com pesquisa e
desenvolvimento em empresas brasileiras têm ficado em torno de apenas 0,59% do
PIB – quando nossos concorrentes na Europa investem 1,34% e a China 1,39%.
Entre 2006 e 2013, os investimentos nacionais nos institutos de pesquisa foram
de R$ 3,4 bilhões, muito concentrados no Rio de Janeiro (37%) e São Paulo
(14%). O Brasil tem 770 pesquisadores por milhão habitantes, diz o Banco
Mundial, contra 5,5 mil por milhão na Noruega. Dos empresários nacionais, 62%
que comandam empresas inovadoras acham “baixo” o grau de inovação da nossa
indústria (O Estado de S. Paulo, 13/5); só 3% acham “muito alto”.
E 30% dessas empresas destinam apenas de 1% a 3% de
suas aplicações totais para essa área. Há informações contraditórias também: em
estudo da Thomson Reuters, o Brasil melhorou do 25º lugar no ranking dos países
mais produtivos em ciência (1993/2013) para o 13º lugar; avançou 700% na
produção de artigos científicos, enquanto a China avançou 2.200%. Não por
acaso, a China gera sete vezes mais patentes que o Brasil. Os maiores avanços
nacionais são nas áreas de energias alternativas e medicina.
O presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa, o
diplomata Celso Lafer, ressalta que os progressos em São Paulo se devem
principalmente ao aumento de 0,5% para 1% dos impostos estaduais, na sua
Constituição, para as verbas destinadas a pesquisas. Com essa trajetória, os
recursos não dependem de vontade apenas de políticos. Por que outros Estados,
como Goiás, não seguem esse caminho?
Um exemplo de como novas tecnologias ganham
rapidamente mercados está na descoberta da empresa A2BR, que lhe permite
retirar água do ar da Amazônia, em Barcelos, e não de nascentes. Vendida a R$
20 por garrafa de 250 ml, a água já está em 95% do mercado europeu, levada para
200 portos. Mas a tecnologia é comprada da China.
É importante que a área de ciência e tecnologia
receba mais incentivos. Mas é importante também que avancemos no setor da
educação – que anda penando muito, com cortes de recursos federais. O Programa
Nacional de Acesso ao Ensino e Emprego (Pronatec), com mais de 8 milhões de
matrículas em 2013, por exemplo, financiado pelo governo federal, fechou agora
vários cursos, sob protestos de professores (Agência Estado, 20/5). Professores
e funcionários de dezenas de universidades federais aprovaram a proposta de
greve em 28/5, para vários Estados.
No ensino básico, há notícias constrangedoras. Em
uma escola de Boa Vista, Roraima, alunos passaram a usar capacetes de
motociclistas na sala de aula para se proteger de ventiladores que ameaçam cair
– depois de um deles machucar uma menina. As centrais de ventilação não
funcionam (amazonia.org, 28/5). No Amapá, a merenda em algumas escolas é feita
com água de chuva armazenada em baldes pelos alunos, porque falta energia
elétrica e verba para o gerador a óleo diesel (UOL, 28/5). A Controladoria
Geral da União apontou (Folha Press, 26/5), no sistema Prouni, 47 beneficiários
já mortos e 4,4 mil bolsistas com renda familiar acima do máximo admitido.
Seja como for, o Brasil fica em 60º lugar no
ranking de 76 países avaliados pela Organização para a Cooperação Econômica
(OCDE), que mediu principalmente o desempenho de alunos de 15 anos em testes de
Ciências e Matemática (O Estado de S. Paulo, 14/5). É muito pouco para um país
que pretende ocupar um lugar importante no mundo com sua ciência e suas
tecnologias. E nessa hora é bom lembrar palavras recentes do papa Francisco (O
Estado de S. Paulo, 29/10), segundo quem, “as teorias do Big Bang e da Evolução
não são incompatíveis com a existência dum criador”. Não há conceitos ou
preconceitos religiosos no caminho da ciência.
Washington Novaes é jornalista
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário