segunda-feira, 2 de junho de 2014
Porque os empresários não gostam de Dilma
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Coluna Econômica de Luis Nassif - 30/5/2014
O jornal "Valor Econômico" tentou entender a
razão dos empresários paulistas não gostarem de Dilma Rousseff. Entrevistou 15
deles. Não se trata de uma pesquisa científica, por refletir apenas a opinião
de quinze executivos de grandes empresas e por não informar sequer os segmentos
em que atuam. Mas é fidedigna.
Entre as críticas principais, o fato de Dilma ter deixado
de formular um projeto para o país; de ter nomeado uma equipe ministerial
medíocre; de ter centralizado as decisões tirando o poder dos Ministérios; de
ter abandonado as reformas estruturais.
***
Não se duvida de seu espírito desenvolvimentista. Tanto que
alguns deles temem que, com Aécio Neves, por exemplo, volte o padrão de FHC, de
não articular nenhum forma de política industrial. Mas a maioria demonstra
desconhecimento sobre o que pensam e o que fariam Aécio e Eduardo Campos.
***
Dilma tem, portanto, a vantagem (para esse meio) de
depender apenas dela para ganhar o jogo. É reconhecida como desenvolvimentista,
séria, patriota e bem intencionada. Mas com uma teimosia e uma insensibilidade
política tal, que gera ou desânimo ou revolta.
O último voluntarista que morou no Planalto foi Itamar
Franco. Apesar de um ser humano agradabilíssimo, um tio neurastênico e querido,
a irracionalidade de sua teimosia gerava um desânimo profundo.
***
Como as críticas contra ela não são de fundo, mas de forma,
esperar-se-ia que, mudando o estilo, Dilma pudesse ser melhor aceita. Mas o
dado mais desanimador da pesquisa é que apenas 3 dos 15 entrevistados acreditam
em um segundo governo Dilma melhor que o primeiro.
***
Esse mesmo sentimento de desânimo é compartilhado por
outros setores da sociedade e até mesmo pelos corpos técnicos do governo -
sempre dispostos a abraçar grandes causas legitimadoras. Até agora, Dilma não
deu o menor sinal de que entendeu as vulnerabilidades gerenciais de seu estilo
de governar.
Esta semana, por exemplo, assinou um conjunto de decretos
institucionalizando comissões de cidadãos para ajudar a opinar em temas ligados
às políticas sociais. Poderia ser um grande avanço para aprofundar a democracia
social.
Qual o significado desse gesto? Com toda sinceridade,
nenhum. Em momentos críticos, de desgaste, Dilma apelou recorrentemente para
encontros com empresários, sindicalistas e até líderes de movimentos sociais.
Mas foram encontros sem continuidade, como se bastasse a mera honraria de serem
recebidos pela Presidente da República para aplacar mágoas e desesperanças.
Esse método não cola mais.
Se quiser recuperar legitimidade, fazer renascer as
esperanças para um segundo mandato mais profícuo, Dilma terá que avançar muito
mais. Terá que dar mostras efetivas de que a Dilma racional conseguiu dominar a
fera teimosa que habita dentro dela. Que o voluntarismo, que a fez colocar em
xeque desde o modelo elétrico até políticas de inclusão de crianças com
deficiência, pertencerá efetivamente ao passado.
Terá que mostrar intolerância para com os auxiliares
medíocres, entender a necessidade de montar um Ministério com oficiais
generais, e não com cabos e sargentos que não sabem dizer não.
Email: luisnassif@ig.com.br
Blog: www.luisnassif.com.br
Portal: www.luisnassif.com
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CONSTITUIÇÃO E PODER
Paradoxos atuais e individualismo
sem limites pervertem a democracia
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO 02.06, 02 de junho de 2014,
14:21h
Por Marco Aurélio Marrafon
Tempos paradoxais
Ao estudarmos as características da civilização atual,
aprendemos com Gilles Lypovetsky que os pilares da modernidade estariam
hipertrofiados, de modo que vivemos a época do hiperindividualismo, da
hiperciência e do hipermercado[1]. Contudo, de outro lado, considerável parcela
de pensadores contemporâneos defende leituras diametralmente opostas e postulam
a existência de uma crise da subjetividade e da racionalidade moderna, típicas
do que se denomina de período pós-moderno.
Assim, a filosofia e a ciência passaram a ser
caracterizadas pela complexidade e fragmentação, onde não mais subsiste uma
fundamentação metafísica clássica que dê conta do todo. Teria se instaurado um
ambiente niilista, no qual a verdade é uma metáfora do intelecto, perdendo sua
superioridade ante ao erro.
Nesse contexto, revela-se a impossibilidade de se
compreender o humano e explicar o mundo a partir de um único sistema
filosófico, de modo que as noções de provisoriedade, temporalidade e
comprometimento histórico do saber ganham força, mostrando que vivemos um
momento de crise ou de transição paradigmática, conforme terminologia
consagrada de Thomas Kuhn.
E os paradoxos multiplicam-se. Em época tão rica, propícia
para a criatividade e para a livre de produção de ideias, ou seja, para o
exercício da liberdade individual, a dissolução tecnológica da privacidade faz
com a essa liberdade sofra grande controle social. Ideias tidas como
inconvenientes são ridicularizadas. Reproduzem-se nas redes sociais mensagens e
“memes” linchando pessoas e queimando reputações. Vivemos em um país
democrático, mas professores dão aulas medindo palavras, temerosos com as
consequências de suas falas. Qualquer mal-entendido ou dissabor ofende e tem
potencial para gerar processo judicial. Dissolve-se a autorictas. Tudo é
permitido e nada é permitido. Justamente por ser tudo permitido, a ausência de
limites aniquila a liberdade do próximo.
Mundo sem limite
Na tentativa de entender esses fenômenos, os psicanalistas,
em especial Jean-Pierre Lebrun e Charles Melman, fazem o diagnóstico de que há
uma nova formação da economia psíquica, promotora de um mundo sem limite.
Na obra Um mundo sem limite — ensaio para uma clínica
psicanalítica do social, Lebrun explica que essa situação é oriunda da perda do
que se entende, em psicanálise, por figura do Pai (que não é necessariamente
pessoa física, mas antes o lugar do limite, a função da castração que, ao mesmo
tempo, institui a ordem psíquica do sujeito e fixa o desejo)[2].
Como decorrência, há um esvaziamento de autoridade que tem
proporcionado o que, segundo Melman, pode ser pensado como uma nova economia
psíquica, isto é, um modo egocêntrico de pensar, viver, trabalhar,
relacionar-se com a família e com as instituições sociais, assentado na
exibição do prazer, que é buscado a qualquer preço[3].
Ora, na leitura psicanalítica clássica, a formação do
sujeito se dá com a interdição/limite imposto pelo Outro, negatividade que gera
ausência e, ao mesmo tempo, desejo. Nesse processo, baseado no recalque, o
sujeito cresce e amadurece socialmente. Já a nova economia psíquica é
caracterizada por uma lógica que evita a subjetivação, o desprazer, abrindo o
primado das sensações sobre os limites sociais e, assim, inibe a formação para
a cidadania.
Em um mundo sem limites, qualquer forma de desprazer (ainda
que imediato, temporário e educativo) é rechaçada, pois importa o
gozo-espetáculo, o amor midiático e, para alcançá-lo, todos os meios são
permitidos, até mesmo o imbróglio, a fraude.
Nesse novo quadro, não há mais referenciais éticos que
direcionem as condutas das pessoas.
Uma democracia pervertida
No campo sociológico, o individualismo originado da perda
da subjetivação clássica gera um forte relativismo ético que se verifica no
pluralismo axiológico, multiculturalismo com grande diversidade nas
expectativas normativas e o reconhecimento geral do aumento da complexidade
sistêmica, formando um conjunto de fatores que consome a possibilidade de
tradições estáveis e impede a formação de uma imagem antropológica coerente do
homem atual[4]. Daí a resistência ao cumprimento de regras sociais básicas e o
excessivo egocentrismo de muitos que possuem grande dificuldade de lidar com o
“não”. “O céu está vazio” e “não há mais impossível”, diz Melman[5].
A partir desses pilares, a nova economia psíquica tem
levado a profundas consequências no modo de realizar a democracia. Na obra A
perversão comum — vivendo juntos sem o outro, Lebrum conclui que houve a morte
da sociedade hierárquica e, nesse contexto, o coletivo não serve mais à
castração, ao lugar do Outro. Operou-se, assim, a dissolução entre o singular e
o coletivo sem que houvesse novo substituo ao individualismo que ele
diagnostica como perverso[6].
Perverso porque, conforme suas palavras, “a perversão é uma
estrutura psíquica que visa essencialmente à satisfação. Ela se serve do outro,
sem perguntar o ponto de vista, se estar de acordo, o que quer que seja. Ela
desmente também a diferença de sexo ou de geração. Esse é o perverso doente.
Mas hoje existe essa noção de perversão que pode também designar sujeitos sem
serem doentes, mas organizados por este funcionamento. Trata-se de uma
tendência, sem que haja uma patologia” (disponível neste link).
Forma-se, assim, o neosujeito que, ante ao vazio da
existência e a ausência de limites, busca grande quantidade de sensações
intensas, aderindo de maneira incontrolável à lógica do consumo (da
ostentação?).
Essa conduta, uma vez generalizada, ocasiona a perversão
comum que solapa as possibilidades de uma democracia forte, já que, com o
esfacelamento do coletivo, prevalece o espírito de facção, a defesa irrestrita
de próprios interesses, por mais fugazes e imediatos que sejam. Eis uma das
chaves da intolerância, da indiferença com as vítimas do sistema, da
negação/encobrimento do diverso/diferente. Uma democracia em que se vive junto,
sem o outro.
Todavia, essa tensão com o outro é inevitável e
imprescindível para uma democracia saudável. Não há possibilidade eficaz de
representação legítima em uma sociedade hiperfragmentária formada por
neossujeitos, com plena dificuldade de aceitar regras.
Como consequência promove-se grave crise de legitimidade
nas instituições e torna-se bastante problemática a adequação das convicções
individuais a sistemas normativos gerais, que perdem legitimidade em função da
distância entre “ser” e “dever-ser”.
Sem referenciais éticos e limites compartilhados
socialmente, prevalece o individualismo — correto é fazer aquilo que eu
acredito que seja correto — donde a grande dificuldade da imposição de normas,
seja ela a reprovação por insuficiência no rendimento acadêmico, a proibição de
se espancar mendigos ou atear fogo em índios ou mesmo a compreensão de que
direitos fundamentais também admitem restrições e que, não é porque se tem uma
boa causa, que grupos minoritários podem fazer tudo que desejam, causando
transtorno e prejuízos a milhares de pessoas.
Daí o desafio da era contemporânea: fazer com que o sujeito
encontre seus limites e reconheça seu laço com o coletivo a partir de sua
singularidade e sem recorrer à tradicional estrutura hierárquica. É o que
Lebrun chama de uma nova responsabilidade sujeito — com os outros, sem perversão
— pois a responsabilidade apenas será eficaz se comprometida com a dimensão
coletiva e a subjetividade do próximo.
Nesse processo, penso que a reconstrução da legitimidade
normativa e o resgate da importância de se observar regras gerais é um
sofrimento que não pode ser dispensado.
[1] LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Trad.
Mário Vilela. 2 reimp. São Paulo: Barcarolla, 2005.
[2] LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para
uma clínica psicanalítica do social. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud Editora, 2004.
[3] MELMAN, Charles. O Homem sem gravidade: gozar a
qualquer preço - Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Trad. Sandra Regina
Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.
[4] VAZ, Henrique Cláudio Lima. Escritos de Filosofia II:
ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1988. p. 169.
[5] MELMAN, Charles. Op. cit., p. 16-17.
[6] LEBRUN, Jean-Pierre. A perversão comum. Viver juntos
sem outro. Trad. Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora,
2008.
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Marco Aurélio Marrafon é presidente da Academia Brasileira
de Direito Constitucional – ABDConst, Professor de Direito e Pensamento
Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Advogado.
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