quinta-feira, 6 de março de 2014

Manchetes do Edu

Os modos de ver o mundo – por Washington Novaes, POPULAR/GO 06.03
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Há poucos dias, a televisão mostrou, no principal jornal da noite, imagens de satélite em que – a propósito da separação de norte-coreanos e sul-coreanos que se haviam reencontrado após anos sem se verem, forçados pelo regime comunista do Norte – apareciam os territórios dos dois países; o da Coreia do Sul, 100% iluminado por luzes artificiais, de Norte a Sul, de Leste a Oeste; o da Coreia do Norte, com apenas alguns pontos iluminados. E o texto lido pelo apresentador dizia que a imagem mostrava a diferença de desenvolvimento entre Sul e Norte, em consequência de diferenças de regimes políticos.
É espantoso que seja assim. Que se mostre a iluminação artificial cobrindo todo um país – comunista ou não – como sinônimo de progresso, puro e simples (em consequência de um regime político, qualquer que ele seja). Ainda no dia 20 último, no artigo deste escriba publicado nesta página, mencionavam-se estudos científicos demonstrativos de que o número reduzido de horas diárias de sono e/ou de ambientes escuros “pode estar relacionado, no corpo humano, com o baixo nível de melatonina, hormônio que regula o sono e é produzido durante a noite”. Um dos riscos maiores é de câncer da próstata. E uma das profissões mais expostas ao risco de doenças é a de enfermeiras que fazem plantão noturno em ambientes iluminados.
Não é o único problema com esse tipo de avaliação. Muitas vezes têm sido comentadas discussões entre economistas e especialistas de outras áreas, sobre a inconveniência de colocar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de um país ou região como único fator a considerar para se medir o “progresso”. É preciso, porém, avaliar, além dos econômicos, também indicadores sociais, como distribuição (e concentração) da renda entre a população, informações sobre educação, saúde, emprego e desemprego, trabalho doméstico e das mulheres, acesso a saneamento básico, manutenção (ou perda) de recursos naturais etc. Que se dirá então de considerar a iluminação como o indicador absoluto de “progresso”? De estimular o crescimento puro e simples sem lembrar que já estamos consumindo na Terra mais recursos do que ela pode prover – e caminhamos para situações gravíssimas em matéria de consumo de recursos físicos, com o consumo médio por pessoa chegando a 7 toneladas anuais (total de 50 bilhões de toneladas/ano) – insustentável, a ponto de se planejarem viagens a corpos celestes em busca desses recursos para áreas vitais. Sem falar em desmatamento, área onde a perda no mundo já chegou a 2,3 milhões de quilômetros quadrados entre 2000 e 2012. Ou no desperdício de um terço de toda a alimentação. E na geração de 1,3 quilo de lixo por pessoa a cada dia.
Não por acaso, o reino do Butão, na Ásia (750 mil habitantes), mais e mais vem sendo apontado como exemplo para o mundo, ao avaliar tudo no país pela ótica do Produto Interno de Felicidade, que leva em conta aqueles ângulos. Onde desmatamento é proibido. E que acaba de aprovar legislação que só permitirá em seu território a agricultura orgânica, sem insumos químicos e agrotóxicos – só com adubos orgânicos, provenientes, por exemplo, de dejetos de animais. Até 2020, toda a agricultura terá de ser orgânica. Imagine-se a possibilidade de um país com a insolação permanente e as dimensões territoriais brasileiras, num mundo cada vez mais em busca de alimentação adequada.
São muitas dimensões para o problema. Ali bem perto das Coreias está a China, que, embora controle ferreamente a política no país, já não consegue impedir manifestações de massa – em Pequim e outras cidades – contra o nível de poluição do ar; e tem chegado ao ponto de proibir toda a população de uma cidade de sair de casa. Aqui, também vamos chegando perto de pontos críticos, com os dramas de falta de inspeção veicular, com altos níveis de emissão de poluentes por caminhões e carros (além da industrial), falta de avanço nas políticas de mobilidade urbana. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo (22/11/13), “quatro Estados do Sudeste terão de investir R$ 589,6 bilhões nos próximos cinco anos em infraestrutura, com destaque para a mobilidade em suas regiões metropolitanas”. Só São Paulo e Rio, juntas, têm 42 milhões de habitantes – iluminados, certamente, mas precisando enterrar a fiação aérea: São Paulo só tem 7% de mais de 30 mil quilômetros de fios e cabos enterrados (24/11).
Para enfrentar as questões planetárias de hoje, precisamos mudar nossos modos de ver o mundo. De novo, a tarefa nessa área para a comunicação é imensa. E não pode se dar ao luxo de informações despropositadas.

Washington Novaes é jornalista

www.encontroculturalgo.blogspot.com


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