quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
MANCHETES DO EDU
Texto de Ferreira Gullar
FOLHA SP
08/13
.
A bolsa e a vida
Os planos de saúde tornaram-se um grave problema
para milhões de brasileiros, que os pagam mensalmente. Como o SUS não dá conta
do atendimento à vasta maioria dos brasileiros mais pobres, quem pode, ainda
que apertando as despesas, contrata um plano de saúde, confiando em que, quando
necessitar, será atendido. A verdade, porém, é que, a cada dia que passa, isso
se torna mais difícil.
Uma das explicações para essa dificuldade -além do
número crescente dos que fogem do SUS- seria que as empresas dos planos de
saúde, embora cobrem caro aos assinantes, pagam mal aos médicos. Em face disso,
eles dão preferência aos pacientes que não têm plano de saúde e dos quais, em
geral, cobram caro.
A coisa se complica ainda mais quando se tornam
necessários exames de laboratório, chapas de raio-X etc. O número de pacientes
que solicitam esses exames é cada dia maior, já que hoje todo diagnóstico
necessita desses exames.
A verdade é que há que ter muita paciência para
conseguir realizar esses exames, para entregar a solicitação e, mais ainda,
para receber o resultado. Se se tratar de um caso grave, que exige urgência, o
desastre torna-se quase inevitável. Os mais prejudicados são os idosos, que
pagam muito mais caro que os demais, têm necessidade de recorrer aos planos com
mais frequência e nem sempre são atendidos em tempo.
Um exemplo disso é o caso que vou contar agora,
cujo personagem é idoso. Vamos chamá-lo de Pedro. Já com seus 80 anos, mas
saudável, e por isso quase nunca se valendo do plano de saúde, Pedro se deu
conta de que seus pés tinham ficado dormentes. No começo, não deu importância
ao fato, mas quando alguém lhe disse que aquilo poderia ser consequência de má
circulação do sangue nos pés, decidiu procurar um angiologista, especialista no
assunto.
Com dificuldade, conseguiu marcar a consulta, foi
examinado e o resultado é que não havia qualquer problema de circulação em seus
pés. "Isso é nervo, deve ser problema da coluna vertebral. Procure um
ortopedista", disse-lhe o médico.
Foi de novo uma dificuldade para marcar a consulta,
mas conseguiu agendá-la. "Isso é medula", afirmou o ortopedista e
solicitou um raio-X panorâmico de sua coluna vertebral. Aí começou o drama.
Pedro telefonou para várias clínicas a fim de
marcar a radiografia solicitada pelo ortopedista. Falar com as clínicas é um
desespero: você liga, atende uma gravação que lhe apresenta uma série de
opções.
Você escolhe a que lhe interessa, digita o número e
fica esperando, enquanto começa a tocar uma música e uma voz lhe diz que é uma
honra atendê-lo, e que isso se fará dentro em pouco. Você fica ali ouvindo a
música e a promessa de ser atendido, mas nada acontece.
Pedro já estava a ponto de desistir quando
finalmente o atenderam. Ele disse o que desejava e recebeu a seguinte
informação: não se marca hora, a pessoa é atendida por ordem de chegada; quem
chega primeiro é atendido primeiro. Perguntou então quando começava o
atendimento e a telefonista lhe disse que era a partir das oito da manhã. Mal
conseguiu dormir, preocupado em chegar cedo à clínica.
Acordou, tomou um gole de café e se tocou para lá.
Chegou 20 para as oito e já tinha três pessoas em sua frente. Menos mal. Sucede
que às 8h ainda não havia chegado o pessoal do raio-X e às 8h20 ninguém ainda
havia sido atendido.
Quarenta minutos depois, a atendente, que examinara
a guia médica, lhe disse que ali não se fazia raio-X panorâmico. Pedro voltou
para casa desapontado. Sem outra alternativa, passou a ligar para diversas
clínicas disposto a encontrar uma que o atendesse. Nenhuma delas fazia raio-X
panorâmico.
Sem saber o que fazer, ligou para o ortopedista,
que o aconselhou a perguntar para o plano de saúde qual clínica fazia o tal
raio-X panorâmico. Recebeu da atendente o telefone de cinco clínicas.
Ligou para a primeira, que disse que não fazia esse
tipo de raio-X; a segunda respondeu a mesma coisa, e assim também a terceira e
a quarta. Apenas a quinta clínica admitiu que fazia, mas só poderia atendê-lo
dali a um mês e meio. E Pedro paga R$ 1.700 por mês por seu plano de saúde.
domingo, 6 de outubro de 2013
Destaques do Edu
O perdão para os lobos. Carlos
Heitor Cony
FOLHA SP 04.09
Virou moda pedir perdão por erros
e crimes históricos. Sendo a instituição mais antiga da história ocidental, a
Igreja Romana, justamente porque atravessou 20 séculos contraditórios, parece
ter a consciência mais pesada neste departamento. Daí que os últimos papas
pediram desculpas por crimes que não cometeram, dentro do discutível princípio
da culpa coletiva e hereditária.
Quando o lobo, na fábula de Esopo
(da qual La Fontaine fez famosa tradução em francês), quis comer o cordeiro,
deu como argumento o fato de o cordeiro estar sujando a água que ele bebia. O
cordeiro achou impossível, o lobo estava lá em cima, na nascente do rio, ele,
cordeiro, estava bem embaixo. Se alguém sujava a água, era o lobo. Vencido pela
lógica, o lobo apelou para a falta hereditária: "Seu pai, no passado,
sujou a minha água". E devorou o cordeiro.
Cada geração, não de lobos, mas
de homens, sempre se julgou o estágio mais avançado da civilização e do
progresso. Daí que julga o passado de acordo com seus valores, que serão tão
transitórios quanto aqueles que condena.
No caso da Igreja Romana, ela
sentiu na própria carne, na voz ativa e na passiva, essa dramática contingência
do tempo. Foi perseguida, seus fiéis foram atirados aos leões, degolados e
incinerados. Mais tarde, em outro contexto, alguns setores da mesma igreja
agiram de forma parecida, sempre em nome da fé e da moral de um cristianismo
então deturpado pelo poder. O pêndulo da história funcionou durante a Revolução
Francesa. Em Lyon, quando foi promovida a missa negra em homenagem a Chalier,
as igrejas foram saqueadas e profanadas. Uma procissão foi presidida por um
burro com uma mitra episcopal amarrada nas orelhas.
No rabo do animal penduraram um
crucifixo e a Bíblia. Uma prostituta nua esfregava hóstias consagradas no seu
corpo. Quando o cortejo chegou à catedral, obrigaram um sacerdote a consagrar o
vinho e com ele saciaram a sede do animal.
Na Guerra Civil espanhola, com
atrocidades de ambos os lados, era comum os republicanos se esfregarem nas
imagens da Virgem até atingir o orgasmo.
A estupidez, o erro e o crime nem
sempre foram exclusividade de um grupo. Em linhas gerais cada época teve seus
critérios de bom e de mau. O mais forte impôs seus valores ao mais fraco,
muitas vezes, com a intuição de salvá-lo espiritualmente ou ajudá-lo
materialmente por meio do progresso.
No Brasil, o colonizador trouxe o
vírus e a vacina. Até mesmo Anchieta e Nóbrega são eventualmente acusados de
lavagem cerebral praticada contra nossos índios. Por tudo isso, acho que o
recente modismo de pedir perdão abstratamente, além de inútil, ou é oportunista
ou hipócrita.
O cristianismo, que agora começa
a ser acusado de ser o vilão da história, estabelece que o perdão só é válido
quando se promove a reparação do agravo, do crime ou do pecado.
No caso dos índios, massacrados
pela cruz, todos nós que descendemos de portugueses e outros europeus,
deveríamos tomar as caravelas de volta, e deixar os índios em paz, sem nossa
mazelas, nossas doenças, nossos deuses e, sobretudo, nossas cobiças.
O pedido de perdão para numerosos
crimes tem a vantagem de admitir uma culpa coletiva ou individual. No entanto,
a mecânica do perdão exige a reparação. Um dos crimes mais violentos e
hediondos da história foi praticado pelo nazismo durante os anos 30 e 40 do
século passado.
No caso brasileiro, durante o
regime militar instalado após o golpe de 1964, apesar de ninguém até hoje ter
pedido perdão, tem havido algumas reparações, há uma Comissão de Verdade que
procura honesta, mas quase inutilmente, pesquisar e punir os culpados.
Contudo, a demora e falta de
unanimidade da comissão em muitos episódios, vem retardando não apenas a
própria verdade, mas a reparação que o Estado brasileiro deve a milhares de
brasileiros.
Carlos Heitor Cony
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Manchetes do Edu
A cinco minutos da meia-noite ( MEIO AMBIENTE)
Já não se passa mais um dia sem que notícias muito
impactantes das áreas de clima e energia venham soprepor-se às fortes
preocupações de quem já acompanha o panorama do mundo, as ameaças crescentes,
os dramas em tantas partes, inclusive entre nós. Washington Novaes, Jornalista - O POPULAR GO 19.09
Mesmo nesse quadro, ainda surpreendem notícias como
a de que o governo brasileiro vai financiar, ele mesmo, através de bancos
oficiais, recursos para as novas etapas da usina nuclear Angra 3, depois que um
consórcio de bancos europeus recusou-se a conceder o financiamento pedido,
porque não lhe foram apresentados os planos de segurança e garantia no
empreendimento, que havia exigido. Além dos riscos inerentes aos projetos
nucleares, inclusive da falta de destinação para o lixo altamente perigoso,
Angra situa-se em área do litoral sul fluminense, onde já está acontecendo a
elevação do nível do mar, como admitiu o respeitado professor Carlos Nobre,
secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, do
Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em entrevista no programa Roda
Viva, da TV Cultura. Nobre disse que o projeto de expansão em Angra “deveria
ser revisto”.
A notícia do financiamento também chega no momento
em que o governo japonês decide assumir, diretamente, o controle do combate às
radiações na acidentada usina de Fukushima, mais de dois anos após o tsunami. O
governo japonês afasta a empresa concessionária da usina que não consegue evitar
que a radiação ali possa matar em quatro horas uma pessoa, pois está mais de
100 vezes acima do que já fora registrado antes. Fukushima já levou também o
governo japonês a rever, com altos custos, sua matriz de energia, e a implantar
um “muro de gelo”, congelando o mar ao redor dos reatores nucleares.
Nessa hora, em que vários países (como Alemanha,
Suécia, Itália e outros) adotam cautela ou restrições à energia nuclear nos
planos nacionais, nós seguimos intrepidamente essa senda, até planejando mais
quatro usinas no Nordeste. Ignorando, como diz o prof. Ildo Sauer, diretor do
Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, “tratar-se (a
energia nuclear) de um dos maiores fiascos tecnológicos da história da
humanidade” (revista Estudos Avançados, nº 27, de 2013). E ignorando – o que já
foi comentado várias vezes neste espaço – as possibilidades únicas de um país
como o Brasil, que pode ter uma matriz energética absolutamente limpa,
renovável e segura, com hidreletricidade, energias eólica, solar, de biomassas,
de marés, geotérmicas.
Deixamos de lado também as questões relacionadas
com o clima, as influências que nele têm as emissões de poluentes no processo
energético e as consequências que o País sofrerá nas próximas décadas, segundo
estudo de 345 cientistas para o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Há
poucos dias eles informaram que a temperatura no nosso Semiárido poderá subir
entre 3,e 4,5 graus até o fim do século, com redução de chuvas entre 40 e 50%;
na Amazônia, que já perdeu a cobertura florestal em 725 mil quilômetros
quadrados, a temperatura poderá elevar-se em até 6 graus Celsius. A vazão de
rios poderá diminuir e os prejuízos para a agropecuária poderão ser de até R$ 7
bilhões a partir de 2020 (jornal Valor, 10/9).
Serão os temores apenas “fantasias de
ambientalistas”, preocupações de “profetas do apocalipse”? Há poucos dias, numa
discussão em que países industrializados analisavam formatos para “salvar” as
ilhas do Pacífico Sul – ameaçadas pela elevação do nível do oceano, consequência
da maior temperatura gerada pelas emissões de poluentes –, o próprio secretário
de Estado norte-americano, John Kerry, confirmou publicamente a situação
dramática (as Ilhas Maldivas, por exemplo, planejam implantar ilhas artificiais
e transferir para elas suas populações); também disse que o quadro climático é
“extremamente grave” – comentando ainda as previsões da Agência Internacional
de Energia, sobre aumento das temperaturas nas próximas décadas.
Nada disso impede, entretanto, que os Estados
Unidos estejam implantando oleoduto para transportar petróleo do Ártico, onde o
degelo que está acontecendo poderá significar – também é a AIE que diz – custos
de US$ 60 trilhões nos próximos tempos. Ou que a China já esteja implantando a
primeira rota de navegação atravessando o próprio Ártico, para reduzir o tempo
de viagem até a Europa.
“Estamos a cinco minutos da meia-noite”, diz o
secretário-geral da Convenção do Clima, Rajendra Pashauri. Quem ouve? Talvez
console saber-se nos bastidores que o Brasil vai mudar de posição na próxima
reunião da Convenção, em dezembro. E propor compromissos obrigatórios de
redução das emissões para todos os países, proporcionalmente a sua contribuição
histórica e atual para o aumento da concentração de gases poluentes na
atmosfera. É um retorno à posição brasileira em 1997, abandonada depois. Mas é
um avanço bem-vindo.
Nesta hora de tantas aflições no campo da energia,
dos materiais radioativos e do clima, convém não nos esquecermos também de mais
um aniversário do acidente com o césio em Goiânia. Ainda na presença de tantas
vítimas sofrendo ao nosso lado.
>>>>
Mudanças também precisam ocorrer "da porta para dentro"
Por Betania Tanure é doutora e professora da PUC
Minas e consultora da BTA
O que você acha de um presidente afirmar que, no
seu time, uma boa parte das pessoas está apenas parcialmente comprometida com
os desafios? E se ele disser ainda que são poucos os que têm as competências
necessárias para entregar resultados diferenciados? VALOR ECONÔMICO 19.09
Não é difícil medir o que isso significa para as
empresas, em especial no atual cenário macroeconômico brasileiro, de muita
incerteza, baixo nível de crescimento e uma taxa de impostos que se situa entre
as mais altas do mundo.
Esse é o Brasil de boa parte das nossas grandes
empresas. Em relação às decisões macroeconômicas elas têm pouco a fazer
individualmente, porém muito a fazer no coletivo, nas associações e nas
federações. E podem ter muito a mudar também "da porta para dentro".
Devo dizer que achei terríveis os resultados
revelados por uma pesquisa que fizemos no 13º Fórum de Presidentes, promovido
em agosto pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para os 114
CEOs entrevistados, que comandam cerca de 30% do PIB brasileiro, 41% dos executivos
de sua equipe estão apenas parcialmente comprometidos com os desafios e somente
37% apresentam as competências necessárias para entregar no presente resultados
que sustentem a construção do futuro.
Para esses presidentes, a primeira pergunta é: como
você faz o seu "dever de casa"? Se o seu time tem problemas, não
tenha dúvida de que esses problemas, ou boa parte deles, começam em você.
Dificuldade de ser meritocrático? Autoritarismo? Ego avantajado? Falta de tempo
para trazer as pessoas para o jogo? Falta de acreditar genuinamente que elas
fazem a diferença? Talvez a herança do seu antecessor seja ruim - mas o que
você fez a partir daí?
Analise em que medida seus executivos entregam
resultados excepcionais. Aqueles que satisfazem as necessidades imediatas
provavelmente não são demitidos, mas, se o estratégico não vem junto, ainda
assim eles são promovidos? Avalie se você está promovendo os que entregam a
qualquer custo, sem semear o longo prazo, ou os que, com visão de futuro,
também desenvolvem estratégias e pessoas. Sei que são raros os executivos nesse
segundo grupo. Nossas pesquisas indicam que apenas 8% combinam com equilíbrio
resultados de curto prazo, construção do futuro e pessoas.
Para alguns falta a mobilização, o significado, a
causa. Reflita se você sabe com clareza qual a causa que o move e que move cada
pessoa do seu time. Invista tempo nisso. Para outros, que já se sentem
mobilizados, falta saber se têm as competências adequadas. Elas não se
desenvolvem em um passe de mágica ou pela simples vontade pessoal. Vontade não
é tudo. É preciso estruturar um caminho, uma jornada de aprendizagem
entrelaçada com o negócio, coisa tão rara no meio empresarial - e também no
mundo acadêmico.
No Brasil são raríssimos os processos de
desenvolvimento com resultado real na dinâmica do negócio. Não por acaso, em
momentos de incerteza como o atual, muitas iniciativas de desenvolvimento são
canceladas ou postergadas. Algumas porque, apesar de "lindas", estão
distantes do mundo real - são úteis para o currículo do indivíduo, mas têm
pouco efeito na vida empresarial. Outras porque não se acredita que são as
pessoas que viram o jogo e que garantem, ou não, resultados diferenciados.
Claro que um terceiro grupo de empresas corta iniciativas porque já está
morrendo, mas esse, felizmente, não é o caso da maioria.
A que grupo sua empresa pertence? Analise isso com
honestidade e, se preciso, aja para mudar essas estatísticas. Caso contrário,
sua empresa poderá ser uma das que fatalmente são levadas ao fracasso. Mude o
jogo, com o compromisso do seu time. Tenha a humildade e a sabedoria de criar
condições para aumentar as competências individuais e organizacionais de sua
empresa. Mãos à obra!
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José Paulo Cavalcanti Filho: Toga no chão -
Tendências / Debates
FOLHA SP 18.09
Adaucto Lucio Cardoso apoiou o golpe militar, foi
fundador da Arena e, em 1966, era presidente da Câmara dos Deputados. Mas não
se curvava, diferentemente da grande maioria dos homens daquele tempo. E de
hoje, também. Mesmo aqueles a quem nos referimos como vossas excelências. LJOSÉ
PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional
da Verdade
Quando o general Castelo Branco cassou o mandato de
alguns deputados, reagiu altivamente. E declarou considerar sem efeito as cassações.
Por pouco tempo. Que, no fim daquele mesmo dia (20 de outubro de 1966), o
Exército ocupou o Congresso Nacional.
Na reabertura dos trabalhos (em 22 de novembro),
Adaucto disse não aceitar a humilhação de ver o Parlamento fechado. Uma
resposta rara dada por quem apoiava o governo. Nenhum dos outros presidentes,
do Senado ou da Câmara, neste e nos dois outros momentos em que o Congresso foi
fechado (em 13 de dezembro de 1968 e 1º de abril de 1977), sequer protestou.
Renunciou à presidência. Mas acabou indicado para o
Supremo Tribunal Federal.
Adaucto honrou a casa. Respeitava as leis. Mas
sabia ouvir, também, a voz das ruas.
Tanto que concedeu habeas corpus ao líder
estudantil Vladimir Palmeira e a Darcy Ribeiro, então preso. Para desgosto dos
ocupantes do Palácio do Planalto, que cobravam subserviência. E a recebiam de
(quase) todos. Até de juízes. Estamos falando de tempos idos, claro.
Carvall
Segue a vida e, em 1971, o general Médici editou o
decreto-lei nº 1.077 --que estabelecia a censura prévia de jornais, revistas e
livros. Em aberta violação à Constituição de 1969, que não admitia qualquer
censura. Deve ter rido, ao assinar. O general gostava de rir, senhor meu. Eram
negros anos.
Naquele tempo, apenas o procurador-geral da
República podia questionar a constitucionalidade das normas jurídicas. O MDB,
então único partido de oposição, pediu que impugnasse o decreto-lei. E o
procurador-geral, subserviente, teve o desplante de declarar que não via
qualquer violação à Constituição. Nada a estranhar que haja sempre homens
assim, dispostos a pagar, com decisões e votos, suas nomeações aos cargos.
O MDB entrou com reclamação diretamente no Supremo.
Adaucto pôs em julgamento. Mas fez, antes, discurso afirmativo, indicando que
os brasileiros esperavam um gesto do Supremo. Discurso de quem, ao contrário de
alguns pares seus, tinha coragem cívica.
Ao fim da votação, apenas ele votou contra a
censura. Os demais ministros exercitaram a vilania se refugiando em
tecnicalidades. De onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo, ensinava
Millôr.
Adaucto declarou que seus pares envergonhavam a
casa. Que não se sentia mais à vontade para conviver com eles. E jogou sua toga
na curul (assim se chama a cadeira dos ministros), segundo uns; ou no chão do
plenário, segundo outros. Após o que foi embora. Saiu do Supremo para entrar na
história, dá vontade de repetir a frase de Getúlio. Evandro Lins e Silva,
mestre querido, disse que "sua atitude foi única, continua única e
provavelmente nunca se repetirá". Será?
P.S. Hoje, não estarão em julgamento os embargos
infringentes. Hoje, quem será julgado é o Supremo.
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no
Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
De Guimarães Rosa à resistência do circo
Primeiro dia da Mostra Competitiva traz uma ficção
do Ceará e um documentário do Espírito Santo. CORREIO BSB 19.09
A história de um circo que perambula por cidades do sertão e as
dificuldade dos artistas envoltos por pobreza, mas cientes do valor da arte,
são o mote do longa da ficção que abre a Mostra Competitiva do 46º Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro. A produção é dirigida pelo cearense Rosemberg
Cariry. “É um filme com uma dimensão humana muito marcada. Da precariedade, mas
ao mesmo tempo do sonho, da arte, e é essa mistura que deixa o filme legal”,
define o diretor.
Cariry é formado em filosofia, mas, mesmo antes de ingressar na faculdade,
já estava completamente envolvido pelo cinema, em carreira iniciada em 1975.
Concorrente habitual aos Candangos distribuídos no Festival de Brasília do
Cinema Brasileiro, o cineasta mantém o foco em enredos populares.
Os pobres diabos têm em seu elenco Chico Diaz, que participou da última
adaptação de Gabriela, e Sílvia Buarque, do longa Gonzaga. Além deles, Everaldo
Pontes (sempre uma forte presença no festival), Gero Camilo, Zezita Matos,
Sâmia Bittencourt e Nanego Lira integram a trupe de Cariry.
O diretor, que também é escritor e poeta, pesquisa temas ligados à cultura
popular e tem vários livros publicados. Em sua obra mais recente, que será
exibida no Cine Brasília, hoje, às 21h, escreveu o roteiro e participou da
montagem. Os pobres diabos é um longa sobre o circo e seus percalços, mas
também se anuncia como um filme sobre encantamento que, como visto
anteriormente no trabalho de Cariry, retoma aspectos do povo que vive no
interior do país, mas tudo embalado por tragédia conduzida de maneira direta.
O diretor tem produtora própria, a Cariri Filmes, e sempre filma no
Nordeste. Esse detalhe tem interferência direta na estética das produções de
Cariry. Segundo ele, o público pode esperar de Os pobres diabos um filme
“brasileiríssimo”, em que as dificuldades lutam com o amor pela arte. “Todo
filme em festival é valorizado sobretudo pelo momento de encontro com o
público. Brasília tem espectadores apaixonados por cinema e é sempre especial
mostrar filmes aqui”, diz Cariry.
Os pobres diabos
(CE, ficção, 98min, 14 anos); às 21h
Outro sertão
(ES, documentário, 73min, 10 anos); às 19h
Cine Brasília (R$6,00 e R$12,00) Teatro Sesc Newton Rossi (Ceilândia),
Espaço Cultural Paulo Autran (Sesc Taguatinga), Teatro do Sesc Gama, Teatro de
Sobradinho e Teatro do Guará – entrada franca
Deixem Diana em paz (PE, Animação,
10min, 16 anos); De Julio Cavani
Aos 30 anos, Diana resolve largar tudo para se dedicar apenas ao mar e ao
sono
Sylvia (PR, Ficção, 17min, livre).
De Artur Ianckievicz
Sylvia é camelô e passa grande parte do tempo em uma academia de boxe,
onde conhece Nathalia.
Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha
Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha
Sertão Nazista
O primeiro documentário da Mostra Competitiva é resultado de uma parceria
das diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. Ambas se debruçaram sobre
período em que João Guimarães Rosa esteve diretamente exposto aos efeitos da
Alemanha nazista. O diplomata de carreira foi vice-cônsul em Hamburgo entre
1938 e 1942. O filme adentra essa experiência.
O longa é, para Adriana, uma novidade histórica. “O documentário trata de
um assunto importante para a história do país e pouco conhecido do público em
geral. É produto de longa pesquisa na Alemanha, no Brasil e em Israel,
mostrando uma série de imagens e documentos inéditos que vão surpreender o
espectador. O filme remonta, por meio de imagens e sons de arquivo, a atmosfera
em Hamburgo nos anos 1940. Dividido em capítulos, Outro sertão aborda vários
aspectos da vida do escritor e diplomata brasileiro em um período tão
conturbado da história mundial”, diz a diretora.
Soraia destaca outros aspectos, como testemunhos de pessoas que tiveram
suas vidas salvas graças a vistos emitidos pelo consulado brasileiro de
Hamburgo na época, e belas e raras imagens de arquivo. “Além da cuidadosa
trilha sonora assinada pelo duo O Grivo”, destaca Soraia.
Ambas as diretoras têm proximidade com a Alemanha. Adriana estudou
comunicação na Universidade Livre de Berlim e vive se dividindo entre o Brasil
e a Alemanha. Soraia é jornalista graduada pela PUC (MG), mas estudou cinema na
Universidade Humboldt de Berlim e, hoje, mora em Belo Horizonte.
A realização do documentário estendeu-se por quase uma década e as
diretoras estão ansiosas para a exibição. “O Festival de Brasília é a
plataforma ideal para a estreia de Outro sertão, por ser uma mostra de
amplitude nacional. Esperamos que a divulgação em Brasília sirva para provocar
debate e inspirar mais filmes históricos e biográficos”, diz Adriana.
Luna e Cinara (RJ, Documentário,
14min, livre) De Clara Linhart Sinopse: O curta mostra a relação atípica da
aposentada Luna e sua empregada, Cinara.
>>>
Sociedade
Uma nova espiritualidade
A busca da felicidade deve ocorrer onde pode se
concretizar: no amor, no idealismo, na solidariedade. E não em um consumismo
desenfreado e irrefletido - por Ciro Gomes — CARTA CAPITAL 18.09
felicidade
Ser feliz hoje parece resumir-se a responder a uma pergunta tosca: quanto
atendemos de uma expectativa de consumo?
Não gosto, mas constato que a fugidia busca da felicidade que mais ou
menos lucidamente nos guia na vida transitou da minha para a atual geração de
um ambiente espiritual para um ambiente puramente materialista. E um
materialismo em seu pior significado, o consumismo.
Não estou, claro, falando de religião quando me refiro à dimensão
imaterial, idealista, espiritual, onde se buscava encontrar a tal felicidade.
Era a poesia, a seresta, a boemia, o amor romântico, mas, acima de tudo, uma
crença confiante de que éramos capazes de enfrentar não só o cabo da esquina,
mas de mudar tudo que quiséssemos mudar, mesmo que fossem as estruturas da
família mononuclear ou até mesmo – o maior talvez de todos os equívocos – a
superação dos limites psicofísicos de nosso cérebro pela viagem lisérgica. Tal
era ser feliz! Ou ao menos havia uma bastança enorme nessa busca em nossas
almas.
Hoje em dia, e nisso não há nenhuma nostalgia, mas um diagnóstico para uma
nova e generosa frente de luta, ser feliz, parece, resume-se a responder a uma
pergunta tosca: quanto de uma expectativa de consumo dramaticamente excitada
por uma infinda e maravilhosa oferta global damos conta de saciar com a renda
apertada de que dispomos? Sim, pois, na mesma proporção que nossa renda possa
evoluir, muito mais velozmente evoluem os encantos do consumismo.
E a única coisa efetivamente globalizada é a informação, o resto é mera
manipulação ideológica imposta pela perversão liberal, tal como o “Consenso de
Washington” a definiu.
Não é a miséria, por exemplo, como uma generosa, porém equivocada, opinião
esquerdista sustenta, a causa da violência que explode em nossas cidades –
todas na mesma ocasião em que o País retira da pobreza mais de 20 milhões de
indivíduos. É, penso eu, o desdobramento natural do que reparto aqui: os jovens
atuais, desespiritualizados, são induzidos a referir sua felicidade a um
conjunto de elementos iconográficos do consumo moderno de massa, seja para
portar os símbolos do êxito, seja para ser aceitos pelos seus grupos ou pelas
meninas... E não têm dinheiro para adquiri-los. Frustração no primeiro momento.
No seguinte, em consequência da justaposição da opulência, revolta e violência.
A droga nada mais é que um escapismo anestesiante de uma vida vazia e careta.
De um vácuo espiritual.
Dessa constatação resultam consequências muito práticas e concretas para
quem imagina que estou divagando à beira de filosofia barata: se ser feliz
modernamente é acessar ao bom, bonito e barato, cuja notícia global (sem
trocadilho) nos chega pela televisão ou pela internet, trata-se de perguntar se
as condições de produzir esse padrão desejado, como o próprio ser feliz, são
globais.
Óbvio: a taxa de juros campeã mundial, o retardo tecnológico extenso e a
economia baseada (ao menos sob o ponto de vista do emprego) em pequenas
empresas que por definição trabalham em pequena escala não fazem do Brasil um
país propriamente protagonista mundial desse ideal de consumo. Essa assimetria
competitiva arbitrada por um consumidor desespiritualizado e com renda precária
merecerá mais reflexões aqui, sob o ponto de vista econômico.
É, porém, uma batalha mundialmente perdida. O que quer dizer que, ao lado
de modelos econômicos e de inserção internacional rebeldes à corrente
dominante, há de se fortalecer uma luta global, especialmente entre nós,
brasileiros, tanto mais com os jovens e as crianças, por uma nova
espiritualidade.
É a tarefa histórica que os estetas, intelectuais, artistas (pensei muito
em você, Patrícia) e especialmente políticos que não tenham só minhocas na
cabeça e compulsão eleitoral devem realizar: temos de devolver a busca ansiosa
pela felicidade onde ela tem alguma chance de se revelar real: ao amor, ao
idealismo, à solidariedade, à austeridade, à parcimônia e ao respeito verdadeiro
à natureza.
O novo consumidor deverá ser capaz de fazer três e não apenas uma pergunta
no seu ato de consumo. Hoje só perguntamos quanto custa, seja para ter, seja
para se frustrar. É preciso que perguntemos sempre quanto custa, pois a vida é
dura, mas é preciso mais duas perguntas: quem se aproveita economicamente do
meu ato de consumo e se esse meu ato é amistoso em relação à natureza na origem
e nos rejeitos. Seria o começo de uma nova revolução.
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