quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

MANCHETES DO EDU

Texto de Ferreira Gullar

FOLHA SP  08/13
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A bolsa e a vida

Os planos de saúde tornaram-se um grave problema para milhões de brasileiros, que os pagam mensalmente. Como o SUS não dá conta do atendimento à vasta maioria dos brasileiros mais pobres, quem pode, ainda que apertando as despesas, contrata um plano de saúde, confiando em que, quando necessitar, será atendido. A verdade, porém, é que, a cada dia que passa, isso se torna mais difícil.

Uma das explicações para essa dificuldade -além do número crescente dos que fogem do SUS- seria que as empresas dos planos de saúde, embora cobrem caro aos assinantes, pagam mal aos médicos. Em face disso, eles dão preferência aos pacientes que não têm plano de saúde e dos quais, em geral, cobram caro.

A coisa se complica ainda mais quando se tornam necessários exames de laboratório, chapas de raio-X etc. O número de pacientes que solicitam esses exames é cada dia maior, já que hoje todo diagnóstico necessita desses exames.

A verdade é que há que ter muita paciência para conseguir realizar esses exames, para entregar a solicitação e, mais ainda, para receber o resultado. Se se tratar de um caso grave, que exige urgência, o desastre torna-se quase inevitável. Os mais prejudicados são os idosos, que pagam muito mais caro que os demais, têm necessidade de recorrer aos planos com mais frequência e nem sempre são atendidos em tempo.

Um exemplo disso é o caso que vou contar agora, cujo personagem é idoso. Vamos chamá-lo de Pedro. Já com seus 80 anos, mas saudável, e por isso quase nunca se valendo do plano de saúde, Pedro se deu conta de que seus pés tinham ficado dormentes. No começo, não deu importância ao fato, mas quando alguém lhe disse que aquilo poderia ser consequência de má circulação do sangue nos pés, decidiu procurar um angiologista, especialista no assunto.

Com dificuldade, conseguiu marcar a consulta, foi examinado e o resultado é que não havia qualquer problema de circulação em seus pés. "Isso é nervo, deve ser problema da coluna vertebral. Procure um ortopedista", disse-lhe o médico.

Foi de novo uma dificuldade para marcar a consulta, mas conseguiu agendá-la. "Isso é medula", afirmou o ortopedista e solicitou um raio-X panorâmico de sua coluna vertebral. Aí começou o drama.

Pedro telefonou para várias clínicas a fim de marcar a radiografia solicitada pelo ortopedista. Falar com as clínicas é um desespero: você liga, atende uma gravação que lhe apresenta uma série de opções.

Você escolhe a que lhe interessa, digita o número e fica esperando, enquanto começa a tocar uma música e uma voz lhe diz que é uma honra atendê-lo, e que isso se fará dentro em pouco. Você fica ali ouvindo a música e a promessa de ser atendido, mas nada acontece.

Pedro já estava a ponto de desistir quando finalmente o atenderam. Ele disse o que desejava e recebeu a seguinte informação: não se marca hora, a pessoa é atendida por ordem de chegada; quem chega primeiro é atendido primeiro. Perguntou então quando começava o atendimento e a telefonista lhe disse que era a partir das oito da manhã. Mal conseguiu dormir, preocupado em chegar cedo à clínica.

Acordou, tomou um gole de café e se tocou para lá. Chegou 20 para as oito e já tinha três pessoas em sua frente. Menos mal. Sucede que às 8h ainda não havia chegado o pessoal do raio-X e às 8h20 ninguém ainda havia sido atendido.

Quarenta minutos depois, a atendente, que examinara a guia médica, lhe disse que ali não se fazia raio-X panorâmico. Pedro voltou para casa desapontado. Sem outra alternativa, passou a ligar para diversas clínicas disposto a encontrar uma que o atendesse. Nenhuma delas fazia raio-X panorâmico.

Sem saber o que fazer, ligou para o ortopedista, que o aconselhou a perguntar para o plano de saúde qual clínica fazia o tal raio-X panorâmico. Recebeu da atendente o telefone de cinco clínicas.

Ligou para a primeira, que disse que não fazia esse tipo de raio-X; a segunda respondeu a mesma coisa, e assim também a terceira e a quarta. Apenas a quinta clínica admitiu que fazia, mas só poderia atendê-lo dali a um mês e meio. E Pedro paga R$ 1.700 por mês por seu plano de saúde.



domingo, 6 de outubro de 2013

Destaques do Edu

O perdão para os lobos. Carlos Heitor Cony
FOLHA SP 04.09


Virou moda pedir perdão por erros e crimes históricos. Sendo a instituição mais antiga da história ocidental, a Igreja Romana, justamente porque atravessou 20 séculos contraditórios, parece ter a consciência mais pesada neste departamento. Daí que os últimos papas pediram desculpas por crimes que não cometeram, dentro do discutível princípio da culpa coletiva e hereditária.
Quando o lobo, na fábula de Esopo (da qual La Fontaine fez famosa tradução em francês), quis comer o cordeiro, deu como argumento o fato de o cordeiro estar sujando a água que ele bebia. O cordeiro achou impossível, o lobo estava lá em cima, na nascente do rio, ele, cordeiro, estava bem embaixo. Se alguém sujava a água, era o lobo. Vencido pela lógica, o lobo apelou para a falta hereditária: "Seu pai, no passado, sujou a minha água". E devorou o cordeiro.
Cada geração, não de lobos, mas de homens, sempre se julgou o estágio mais avançado da civilização e do progresso. Daí que julga o passado de acordo com seus valores, que serão tão transitórios quanto aqueles que condena.
No caso da Igreja Romana, ela sentiu na própria carne, na voz ativa e na passiva, essa dramática contingência do tempo. Foi perseguida, seus fiéis foram atirados aos leões, degolados e incinerados. Mais tarde, em outro contexto, alguns setores da mesma igreja agiram de forma parecida, sempre em nome da fé e da moral de um cristianismo então deturpado pelo poder. O pêndulo da história funcionou durante a Revolução Francesa. Em Lyon, quando foi promovida a missa negra em homenagem a Chalier, as igrejas foram saqueadas e profanadas. Uma procissão foi presidida por um burro com uma mitra episcopal amarrada nas orelhas.
No rabo do animal penduraram um crucifixo e a Bíblia. Uma prostituta nua esfregava hóstias consagradas no seu corpo. Quando o cortejo chegou à catedral, obrigaram um sacerdote a consagrar o vinho e com ele saciaram a sede do animal.
Na Guerra Civil espanhola, com atrocidades de ambos os lados, era comum os republicanos se esfregarem nas imagens da Virgem até atingir o orgasmo.
A estupidez, o erro e o crime nem sempre foram exclusividade de um grupo. Em linhas gerais cada época teve seus critérios de bom e de mau. O mais forte impôs seus valores ao mais fraco, muitas vezes, com a intuição de salvá-lo espiritualmente ou ajudá-lo materialmente por meio do progresso.
No Brasil, o colonizador trouxe o vírus e a vacina. Até mesmo Anchieta e Nóbrega são eventualmente acusados de lavagem cerebral praticada contra nossos índios. Por tudo isso, acho que o recente modismo de pedir perdão abstratamente, além de inútil, ou é oportunista ou hipócrita.
O cristianismo, que agora começa a ser acusado de ser o vilão da história, estabelece que o perdão só é válido quando se promove a reparação do agravo, do crime ou do pecado.
No caso dos índios, massacrados pela cruz, todos nós que descendemos de portugueses e outros europeus, deveríamos tomar as caravelas de volta, e deixar os índios em paz, sem nossa mazelas, nossas doenças, nossos deuses e, sobretudo, nossas cobiças.
O pedido de perdão para numerosos crimes tem a vantagem de admitir uma culpa coletiva ou individual. No entanto, a mecânica do perdão exige a reparação. Um dos crimes mais violentos e hediondos da história foi praticado pelo nazismo durante os anos 30 e 40 do século passado.
No caso brasileiro, durante o regime militar instalado após o golpe de 1964, apesar de ninguém até hoje ter pedido perdão, tem havido algumas reparações, há uma Comissão de Verdade que procura honesta, mas quase inutilmente, pesquisar e punir os culpados.
Contudo, a demora e falta de unanimidade da comissão em muitos episódios, vem retardando não apenas a própria verdade, mas a reparação que o Estado brasileiro deve a milhares de brasileiros.

Carlos Heitor Cony

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Manchetes do Edu


A cinco minutos da meia-noite ( MEIO AMBIENTE)
Já não se passa mais um dia sem que notícias muito impactantes das áreas de clima e energia venham soprepor-se às fortes preocupações de quem já acompanha o panorama do mundo, as ameaças crescentes, os dramas em tantas partes, inclusive entre nós.    Washington Novaes, Jornalista -  O POPULAR GO 19.09

Mesmo nesse quadro, ainda surpreendem notícias como a de que o governo brasileiro vai financiar, ele mesmo, através de bancos oficiais, recursos para as novas etapas da usina nuclear Angra 3, depois que um consórcio de bancos europeus recusou-se a conceder o financiamento pedido, porque não lhe foram apresentados os planos de segurança e garantia no empreendimento, que havia exigido. Além dos riscos inerentes aos projetos nucleares, inclusive da falta de destinação para o lixo altamente perigoso, Angra situa-se em área do litoral sul fluminense, onde já está acontecendo a elevação do nível do mar, como admitiu o respeitado professor Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura. Nobre disse que o projeto de expansão em Angra “deveria ser revisto”.

A notícia do financiamento também chega no momento em que o governo japonês decide assumir, diretamente, o controle do combate às radiações na acidentada usina de Fukushima, mais de dois anos após o tsunami. O governo japonês afasta a empresa concessionária da usina que não consegue evitar que a radiação ali possa matar em quatro horas uma pessoa, pois está mais de 100 vezes acima do que já fora registrado antes. Fukushima já levou também o governo japonês a rever, com altos custos, sua matriz de energia, e a implantar um “muro de gelo”, congelando o mar ao redor dos reatores nucleares.

Nessa hora, em que vários países (como Alemanha, Suécia, Itália e outros) adotam cautela ou restrições à energia nuclear nos planos nacionais, nós seguimos intrepidamente essa senda, até planejando mais quatro usinas no Nordeste. Ignorando, como diz o prof. Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, “tratar-se (a energia nuclear) de um dos maiores fiascos tecnológicos da história da humanidade” (revista Estudos Avançados, nº 27, de 2013). E ignorando – o que já foi comentado várias vezes neste espaço – as possibilidades únicas de um país como o Brasil, que pode ter uma matriz energética absolutamente limpa, renovável e segura, com hidreletricidade, energias eólica, solar, de biomassas, de marés, geotérmicas.

Deixamos de lado também as questões relacionadas com o clima, as influências que nele têm as emissões de poluentes no processo energético e as consequências que o País sofrerá nas próximas décadas, segundo estudo de 345 cientistas para o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Há poucos dias eles informaram que a temperatura no nosso Semiárido poderá subir entre 3,e 4,5 graus até o fim do século, com redução de chuvas entre 40 e 50%; na Amazônia, que já perdeu a cobertura florestal em 725 mil quilômetros quadrados, a temperatura poderá elevar-se em até 6 graus Celsius. A vazão de rios poderá diminuir e os prejuízos para a agropecuária poderão ser de até R$ 7 bilhões a partir de 2020 (jornal Valor, 10/9).

Serão os temores apenas “fantasias de ambientalistas”, preocupações de “profetas do apocalipse”? Há poucos dias, numa discussão em que países industrializados analisavam formatos para “salvar” as ilhas do Pacífico Sul – ameaçadas pela elevação do nível do oceano, consequência da maior temperatura gerada pelas emissões de poluentes –, o próprio secretário de Estado norte-americano, John Kerry, confirmou publicamente a situação dramática (as Ilhas Maldivas, por exemplo, planejam implantar ilhas artificiais e transferir para elas suas populações); também disse que o quadro climático é “extremamente grave” – comentando ainda as previsões da Agência Internacional de Energia, sobre aumento das temperaturas nas próximas décadas.

Nada disso impede, entretanto, que os Estados Unidos estejam implantando oleoduto para transportar petróleo do Ártico, onde o degelo que está acontecendo poderá significar – também é a AIE que diz – custos de US$ 60 trilhões nos próximos tempos. Ou que a China já esteja implantando a primeira rota de navegação atravessando o próprio Ártico, para reduzir o tempo de viagem até a Europa.

“Estamos a cinco minutos da meia-noite”, diz o secretário-geral da Convenção do Clima, Rajendra Pashauri. Quem ouve? Talvez console saber-se nos bastidores que o Brasil vai mudar de posição na próxima reunião da Convenção, em dezembro. E propor compromissos obrigatórios de redução das emissões para todos os países, proporcionalmente a sua contribuição histórica e atual para o aumento da concentração de gases poluentes na atmosfera. É um retorno à posição brasileira em 1997, abandonada depois. Mas é um avanço bem-vindo.

Nesta hora de tantas aflições no campo da energia, dos materiais radioativos e do clima, convém não nos esquecermos também de mais um aniversário do acidente com o césio em Goiânia. Ainda na presença de tantas vítimas sofrendo ao nosso lado.

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Mudanças também precisam ocorrer "da porta para dentro"
Por Betania Tanure é doutora e professora da PUC Minas e consultora da BTA
O que você acha de um presidente afirmar que, no seu time, uma boa parte das pessoas está apenas parcialmente comprometida com os desafios? E se ele disser ainda que são poucos os que têm as competências necessárias para entregar resultados diferenciados? VALOR ECONÔMICO 19.09


Não é difícil medir o que isso significa para as empresas, em especial no atual cenário macroeconômico brasileiro, de muita incerteza, baixo nível de crescimento e uma taxa de impostos que se situa entre as mais altas do mundo.

Esse é o Brasil de boa parte das nossas grandes empresas. Em relação às decisões macroeconômicas elas têm pouco a fazer individualmente, porém muito a fazer no coletivo, nas associações e nas federações. E podem ter muito a mudar também "da porta para dentro".

Devo dizer que achei terríveis os resultados revelados por uma pesquisa que fizemos no 13º Fórum de Presidentes, promovido em agosto pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para os 114 CEOs entrevistados, que comandam cerca de 30% do PIB brasileiro, 41% dos executivos de sua equipe estão apenas parcialmente comprometidos com os desafios e somente 37% apresentam as competências necessárias para entregar no presente resultados que sustentem a construção do futuro.

Para esses presidentes, a primeira pergunta é: como você faz o seu "dever de casa"? Se o seu time tem problemas, não tenha dúvida de que esses problemas, ou boa parte deles, começam em você. Dificuldade de ser meritocrático? Autoritarismo? Ego avantajado? Falta de tempo para trazer as pessoas para o jogo? Falta de acreditar genuinamente que elas fazem a diferença? Talvez a herança do seu antecessor seja ruim - mas o que você fez a partir daí?

Analise em que medida seus executivos entregam resultados excepcionais. Aqueles que satisfazem as necessidades imediatas provavelmente não são demitidos, mas, se o estratégico não vem junto, ainda assim eles são promovidos? Avalie se você está promovendo os que entregam a qualquer custo, sem semear o longo prazo, ou os que, com visão de futuro, também desenvolvem estratégias e pessoas. Sei que são raros os executivos nesse segundo grupo. Nossas pesquisas indicam que apenas 8% combinam com equilíbrio resultados de curto prazo, construção do futuro e pessoas.

Para alguns falta a mobilização, o significado, a causa. Reflita se você sabe com clareza qual a causa que o move e que move cada pessoa do seu time. Invista tempo nisso. Para outros, que já se sentem mobilizados, falta saber se têm as competências adequadas. Elas não se desenvolvem em um passe de mágica ou pela simples vontade pessoal. Vontade não é tudo. É preciso estruturar um caminho, uma jornada de aprendizagem entrelaçada com o negócio, coisa tão rara no meio empresarial - e também no mundo acadêmico.

No Brasil são raríssimos os processos de desenvolvimento com resultado real na dinâmica do negócio. Não por acaso, em momentos de incerteza como o atual, muitas iniciativas de desenvolvimento são canceladas ou postergadas. Algumas porque, apesar de "lindas", estão distantes do mundo real - são úteis para o currículo do indivíduo, mas têm pouco efeito na vida empresarial. Outras porque não se acredita que são as pessoas que viram o jogo e que garantem, ou não, resultados diferenciados. Claro que um terceiro grupo de empresas corta iniciativas porque já está morrendo, mas esse, felizmente, não é o caso da maioria.

A que grupo sua empresa pertence? Analise isso com honestidade e, se preciso, aja para mudar essas estatísticas. Caso contrário, sua empresa poderá ser uma das que fatalmente são levadas ao fracasso. Mude o jogo, com o compromisso do seu time. Tenha a humildade e a sabedoria de criar condições para aumentar as competências individuais e organizacionais de sua empresa. Mãos à obra!

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José Paulo Cavalcanti Filho: Toga no chão  -  Tendências / Debates  FOLHA SP 18.09
Adaucto Lucio Cardoso apoiou o golpe militar, foi fundador da Arena e, em 1966, era presidente da Câmara dos Deputados. Mas não se curvava, diferentemente da grande maioria dos homens daquele tempo. E de hoje, também. Mesmo aqueles a quem nos referimos como vossas excelências. LJOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade

Quando o general Castelo Branco cassou o mandato de alguns deputados, reagiu altivamente. E declarou considerar sem efeito as cassações. Por pouco tempo. Que, no fim daquele mesmo dia (20 de outubro de 1966), o Exército ocupou o Congresso Nacional.

Na reabertura dos trabalhos (em 22 de novembro), Adaucto disse não aceitar a humilhação de ver o Parlamento fechado. Uma resposta rara dada por quem apoiava o governo. Nenhum dos outros presidentes, do Senado ou da Câmara, neste e nos dois outros momentos em que o Congresso foi fechado (em 13 de dezembro de 1968 e 1º de abril de 1977), sequer protestou.

Renunciou à presidência. Mas acabou indicado para o Supremo Tribunal Federal.

Adaucto honrou a casa. Respeitava as leis. Mas sabia ouvir, também, a voz das ruas.

Tanto que concedeu habeas corpus ao líder estudantil Vladimir Palmeira e a Darcy Ribeiro, então preso. Para desgosto dos ocupantes do Palácio do Planalto, que cobravam subserviência. E a recebiam de (quase) todos. Até de juízes. Estamos falando de tempos idos, claro.

Carvall         

Segue a vida e, em 1971, o general Médici editou o decreto-lei nº 1.077 --que estabelecia a censura prévia de jornais, revistas e livros. Em aberta violação à Constituição de 1969, que não admitia qualquer censura. Deve ter rido, ao assinar. O general gostava de rir, senhor meu. Eram negros anos.

Naquele tempo, apenas o procurador-geral da República podia questionar a constitucionalidade das normas jurídicas. O MDB, então único partido de oposição, pediu que impugnasse o decreto-lei. E o procurador-geral, subserviente, teve o desplante de declarar que não via qualquer violação à Constituição. Nada a estranhar que haja sempre homens assim, dispostos a pagar, com decisões e votos, suas nomeações aos cargos.

O MDB entrou com reclamação diretamente no Supremo. Adaucto pôs em julgamento. Mas fez, antes, discurso afirmativo, indicando que os brasileiros esperavam um gesto do Supremo. Discurso de quem, ao contrário de alguns pares seus, tinha coragem cívica.

Ao fim da votação, apenas ele votou contra a censura. Os demais ministros exercitaram a vilania se refugiando em tecnicalidades. De onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo, ensinava Millôr.

Adaucto declarou que seus pares envergonhavam a casa. Que não se sentia mais à vontade para conviver com eles. E jogou sua toga na curul (assim se chama a cadeira dos ministros), segundo uns; ou no chão do plenário, segundo outros. Após o que foi embora. Saiu do Supremo para entrar na história, dá vontade de repetir a frase de Getúlio. Evandro Lins e Silva, mestre querido, disse que "sua atitude foi única, continua única e provavelmente nunca se repetirá". Será?

P.S. Hoje, não estarão em julgamento os embargos infringentes. Hoje, quem será julgado é o Supremo.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade






quarta-feira, 18 de setembro de 2013

De Guimarães Rosa à resistência do circo
Primeiro dia da Mostra Competitiva traz uma ficção do Ceará e um documentário do Espírito Santo. CORREIO BSB 19.09



A história de um circo que perambula por cidades do sertão e as dificuldade dos artistas envoltos por pobreza, mas cientes do valor da arte, são o mote do longa da ficção que abre a Mostra Competitiva do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A produção é dirigida pelo cearense Rosemberg Cariry. “É um filme com uma dimensão humana muito marcada. Da precariedade, mas ao mesmo tempo do sonho, da arte, e é essa mistura que deixa o filme legal”, define o diretor.

Cariry é formado em filosofia, mas, mesmo antes de ingressar na faculdade, já estava completamente envolvido pelo cinema, em carreira iniciada em 1975. Concorrente habitual aos Candangos distribuídos no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o cineasta mantém o foco em enredos  populares.

Os pobres diabos têm em seu elenco Chico Diaz, que participou da última adaptação de Gabriela, e Sílvia Buarque, do longa Gonzaga. Além deles, Everaldo Pontes (sempre uma forte presença no festival), Gero Camilo, Zezita Matos, Sâmia Bittencourt e Nanego Lira integram a trupe de Cariry.

O diretor, que também é escritor e poeta, pesquisa temas ligados à cultura popular e tem vários livros publicados. Em sua obra mais recente, que será exibida no Cine Brasília, hoje, às 21h, escreveu o roteiro e participou da montagem. Os pobres diabos é um longa sobre o circo e seus percalços, mas também se anuncia como um filme sobre encantamento que, como visto anteriormente no trabalho de Cariry, retoma aspectos do povo que vive no interior do país, mas tudo embalado por tragédia conduzida de maneira direta.

O diretor tem produtora própria, a Cariri Filmes, e sempre filma no Nordeste. Esse detalhe tem interferência direta na estética das produções de Cariry. Segundo ele, o público pode esperar de Os pobres diabos um filme “brasileiríssimo”, em que as dificuldades lutam com o amor pela arte. “Todo filme em festival é valorizado sobretudo pelo momento de encontro com o público. Brasília tem espectadores apaixonados por cinema e é sempre especial mostrar filmes aqui”, diz Cariry.


Os pobres diabos
(CE, ficção, 98min, 14 anos); às 21h

Outro sertão
(ES, documentário, 73min, 10 anos); às 19h

Cine Brasília (R$6,00 e R$12,00) Teatro Sesc Newton Rossi (Ceilândia), Espaço Cultural Paulo Autran (Sesc Taguatinga), Teatro do Sesc Gama, Teatro de Sobradinho e Teatro do Guará – entrada franca


           

Deixem Diana em paz  (PE, Animação, 10min, 16 anos); De Julio Cavani
Aos 30 anos, Diana resolve largar tudo para se dedicar apenas ao mar e ao sono

           

Sylvia  (PR, Ficção, 17min, livre). De Artur Ianckievicz
Sylvia é camelô e passa grande parte do tempo em uma academia de boxe, onde conhece Nathalia.


Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha      
Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha


Sertão Nazista
O primeiro documentário da Mostra Competitiva é resultado de uma parceria das diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. Ambas se debruçaram sobre período em que João Guimarães Rosa esteve diretamente exposto aos efeitos da Alemanha nazista. O diplomata de carreira foi vice-cônsul em Hamburgo entre 1938 e 1942. O filme adentra essa experiência.

O longa é, para Adriana, uma novidade histórica. “O documentário trata de um assunto importante para a história do país e pouco conhecido do público em geral. É produto de longa pesquisa na Alemanha, no Brasil e em Israel, mostrando uma série de imagens e documentos inéditos que vão surpreender o espectador. O filme remonta, por meio de imagens e sons de arquivo, a atmosfera em Hamburgo nos anos 1940. Dividido em capítulos, Outro sertão aborda vários aspectos da vida do escritor e diplomata brasileiro em um período tão conturbado da história mundial”, diz a diretora.

Soraia destaca outros aspectos, como testemunhos de pessoas que tiveram suas vidas salvas graças a vistos emitidos pelo consulado brasileiro de Hamburgo na época, e belas e raras imagens de arquivo. “Além da cuidadosa trilha sonora assinada pelo duo O Grivo”, destaca Soraia.


Ambas as diretoras têm proximidade com a Alemanha. Adriana estudou comunicação na Universidade Livre de Berlim e vive se dividindo entre o Brasil e a Alemanha. Soraia é jornalista graduada pela PUC (MG), mas estudou cinema na Universidade Humboldt de Berlim e, hoje, mora em Belo Horizonte.

A realização do documentário estendeu-se por quase uma década e as diretoras estão ansiosas para a exibição. “O Festival de Brasília é a plataforma ideal para a estreia de Outro sertão, por ser uma mostra de amplitude nacional. Esperamos que a divulgação em Brasília sirva para provocar debate e inspirar mais filmes históricos e biográficos”, diz Adriana.


           

Luna e Cinara  (RJ, Documentário, 14min, livre) De Clara Linhart Sinopse: O curta mostra a relação atípica da aposentada Luna e sua empregada, Cinara.

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Sociedade
Uma nova espiritualidade
A busca da felicidade deve ocorrer onde pode se concretizar: no amor, no idealismo, na solidariedade. E não em um consumismo desenfreado e irrefletido  -    por Ciro Gomes —  CARTA CAPITAL 18.09
 
 felicidade
Ser feliz hoje parece resumir-se a responder a uma pergunta tosca: quanto atendemos de uma expectativa de consumo?


Não gosto, mas constato que a fugidia busca da felicidade que mais ou menos lucidamente nos guia na vida transitou da minha para a atual geração de um ambiente espiritual para um ambiente puramente materialista. E um materialismo em seu pior significado, o consumismo.

Não estou, claro, falando de religião quando me refiro à dimensão imaterial, idealista, espiritual, onde se buscava encontrar a tal felicidade. Era a poesia, a seresta, a boemia, o amor romântico, mas, acima de tudo, uma crença confiante de que éramos capazes de enfrentar não só o cabo da esquina, mas de mudar tudo que quiséssemos mudar, mesmo que fossem as estruturas da família mononuclear ou até mesmo – o maior talvez de todos os equívocos – a superação dos limites psicofísicos de nosso cérebro pela viagem lisérgica. Tal era ser feliz! Ou ao menos havia uma bastança enorme nessa busca em nossas almas.

Hoje em dia, e nisso não há nenhuma nostalgia, mas um diagnóstico para uma nova e generosa frente de luta, ser feliz, parece, resume-se a responder a uma pergunta tosca: quanto de uma expectativa de consumo dramaticamente excitada por uma infinda e maravilhosa oferta global damos conta de saciar com a renda apertada de que dispomos? Sim, pois, na mesma proporção que nossa renda possa evoluir, muito mais velozmente evoluem os encantos do consumismo.

E a única coisa efetivamente globalizada é a informação, o resto é mera manipulação ideológica imposta pela perversão liberal, tal como o “Consenso de Washington” a definiu.

Não é a miséria, por exemplo, como uma generosa, porém equivocada, opinião esquerdista sustenta, a causa da violência que explode em nossas cidades – todas na mesma ocasião em que o País retira da pobreza mais de 20 milhões de indivíduos. É, penso eu, o desdobramento natural do que reparto aqui: os jovens atuais, desespiritualizados, são induzidos a referir sua felicidade a um conjunto de elementos iconográficos do consumo moderno de massa, seja para portar os símbolos do êxito, seja para ser aceitos pelos seus grupos ou pelas meninas... E não têm dinheiro para adquiri-los. Frustração no primeiro momento. No seguinte, em consequência da justaposição da opulência, revolta e violência. A droga nada mais é que um escapismo anestesiante de uma vida vazia e careta. De um vácuo espiritual.

Dessa constatação resultam consequências muito práticas e concretas para quem imagina que estou divagando à beira de filosofia barata: se ser feliz modernamente é acessar ao bom, bonito e barato, cuja notícia global (sem trocadilho) nos chega pela televisão ou pela internet, trata-se de perguntar se as condições de produzir esse padrão desejado, como o próprio ser feliz, são globais.
Óbvio: a taxa de juros campeã mundial, o retardo tecnológico extenso e a economia baseada (ao menos sob o ponto de vista do emprego) em pequenas empresas que por definição trabalham em pequena escala não fazem do Brasil um país propriamente protagonista mundial desse ideal de consumo. Essa assimetria competitiva arbitrada por um consumidor desespiritualizado e com renda precária merecerá mais reflexões aqui, sob o ponto de vista econômico.

É, porém, uma batalha mundialmente perdida. O que quer dizer que, ao lado de modelos econômicos e de inserção internacional rebeldes à corrente dominante, há de se fortalecer uma luta global, especialmente entre nós, brasileiros, tanto mais com os jovens e as crianças, por uma nova espiritualidade.

É a tarefa histórica que os estetas, intelectuais, artistas (pensei muito em você, Patrícia) e especialmente políticos que não tenham só minhocas na cabeça e compulsão eleitoral devem realizar: temos de devolver a busca ansiosa pela felicidade onde ela tem alguma chance de se revelar real: ao amor, ao idealismo, à solidariedade, à austeridade, à parcimônia e ao respeito verdadeiro à natureza.

O novo consumidor deverá ser capaz de fazer três e não apenas uma pergunta no seu ato de consumo. Hoje só perguntamos quanto custa, seja para ter, seja para se frustrar. É preciso que perguntemos sempre quanto custa, pois a vida é dura, mas é preciso mais duas perguntas: quem se aproveita economicamente do meu ato de consumo e se esse meu ato é amistoso em relação à natureza na origem e nos rejeitos. Seria o começo de uma nova revolução.