sábado, 1 de fevereiro de 2020
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OPINIÃO
Brasil não sairá da ineficiência se não fizer reforma estrutural no
Judiciário
(José Jácomo Gimenes é
juiz federal no Paraná e professor aposentado do Departamento de Direito
Privado e Processual da UEM)
(Revista Consultor Jurídico, 1 de fevereiro de 2020)
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A função do sistema judicial é pacificar com justiça,
decidindo os conflitos sociais em prazo tolerável, segundo os valores eleitos
na lei e jurisprudência. O desenvolvimento do país depende necessariamente do
bom funcionamento de seu sistema judicial. É função tão importante que o
sistema judicial é titularizado por um dos poderes do Estado, o Poder
Judiciário.
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O monstruoso estoque de quase 80 milhões de processos
judiciais, a demora de muitos anos para julgar processos subjetivos e décadas
para formar jurisprudência firme, resultando histórica insegurança jurídica e
descrença no Judiciário, permitem concluir que o nosso sistema judicial não
está cumprindo a sua função essencial com eficiência, conforme determina a
Constituição Federal (artigo 37).
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Há um consenso sobre a necessidade de uma reforma
administrativa no serviço público, no sentido de aprimoramento e redução de
custos. Essa reforma passa obrigatoriamente por reforma também no sistema
judicial, responsável pela administração da justiça. Nesse artigo, vamos
resumir os sete defeitos estruturais que atravancam o nosso sistema judicial,
alimentando essa tragédia de demora, insegurança jurídica e injustiça.
Primeiro, quatro instâncias de julgamento. A
Constituição de 1988 adotou um sistema de quatro instâncias (juízos locais,
tribunais regionais, quatro tribunais nacionais (STJ, TST e STM) e Supremo
Tribunal Federal). Essa extensa hierarquia faz com que os processos judiciais,
na prática, possam ter até quatro julgamentos, demorando anos para chegar ao fim.
A formação de jurisprudência firme muitas vezes demora décadas, incompatível
com as urgências da modernidade.
O ministro Gilmar Mendes tem criticado essa burocracia
judicial. Em recente palestra, explicou que “nos tornamos, e isto é um
problema, um país judiciário-dependente”. Voltou a defender “desjudicialização”
e que os integrantes do Judiciário se tornem “menos decisórios, menos
impositivos, mais humildes"[i]. O ministro Roberto Barroso também
tem reiteradamente criticado a colossal estrutura do Judiciário e a exagerada
competência do Supremo[ii].
O ilustre jurista Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, colunista da ConJur, também tem
denunciado a falência do sistema judicial. "O problema está no sistema. O
Brasil, outrora orgulhoso de seu sistema judicial, está caindo em descrédito. A
demora dos processos, fruto de 4 instâncias, faz com que nada termine antes de
10 anos. No cível e no crime"[iii] — confirmando a
necessidade de reforma no Judiciário.
Segundo, competência judicial exagerada do Supremo. A
nossa Constituição é amplíssima, abrangendo grande parte da vida nacional. O
Supremo, como guardião da Constituição, por consequência, tem vasta competência
de julgamento e, mesmo com filtros processuais, atrai milhares de processos
subjetivos. O Supremo, sendo corte constitucional, corte recursal e corte
instrutória em crimes de algumas autoridades, com apenas 11 ministros, vive
sufocado de trabalho (estoque de quase 40 mil processos), não tendo tempo
adequado para as grandes questões nacionais. A quantidade processos que chegam
ao Supremo destoa excessivamente das demais cortes supremas das democracias do
planeta. É uma situação insustentável, que precisa ser mudada.
Nesse ponto, o jurista Oscar Vilhena Vieira alerta:
"Como tenho reiterado em publicações acadêmicas, conferências e também em
artigos e entrevistas à imprensa, o excesso de atribuições conferidas ao
Supremo Tribunal Federal, as características do próprio texto constitucional,
em especial extensão e abertura, assim como a ausência de um procedimento mais
racional de deliberação, têm atrapalhado a tarefa do Supremo de exercer a sua função
de guarda da Constituição."[iv]
Terceiro, excesso de decisões monocráticas no Supremo.
O Supremo é composto de respeitáveis jurisconsultos. O Plenário do Supremo tem
a importante função de compensar os diferentes entendimentos pessoais,
resultando média mais próxima de representação da sociedade. Tem se visto
decisões monocráticas sobre questões nacionais importantes, delicados conflitos
de poderes, acirrando ânimos e ampliando insegurança. Tem ocorrido
"pedidos de visto a perder de vista", sem fiscalização institucional,
desprestigiando a colegialidade e aumentando a famigerada lentidão. Esse
despautério precisa ser enfrentado pela sociedade e Congresso Nacional.
O professor Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e
Ciência Política da USP, ao analisar o problema do excesso de decisões
monocrática do Supremo, é veemente. Sustenta "que a corte, numa espiral de autodegradação,
passou de poder moderador a poder tensionador, que multiplica incertezas e
acirra conflitos"[v].
Quarto, STJ limitado. A primeira e segunda instâncias
julgam considerando toda legislação (normas, decretos, leis ordinárias e
Constituição). Na terceira instância, especialmente no STJ, os julgamentos são
limitados às questões relacionadas com as leis ordinárias. Após, havendo
recurso, os processos são encaminhados ao Supremo, para julgamento
constitucional. O STJ produz jurisprudência limitada que, anos depois, é modificada
pela jurisprudência constitucional do Supremo. Insegurança e demora
institucionalizada. É necessário conceder competência plena ao STJ e poder para
concluir todos os processos subjetivos, acabando com essa divisão competencial
burocratizante.
A transferência de competência para o STJ vai permitir
que o Supremo foque atuação nas questões fundamentais da República, produzindo
rapidamente jurisprudência constitucional definitiva, espraiando essa
eficiência para o sistema judicial e fortalecendo a confiança na Justiça. A
modernidade exige decisões rápidas e sistemas regulatórios estáveis. Por outro
lado, também vai permitir que a corte suprema funcione na sua forma correta,
colegiada, diminuindo a quantidade exagerada de decisões liminares, que muitas vezes
não representam a posição do Plenário do Supremo e tanto estrago causam à
segurança jurídica e ao Judiciário.
Quinto, excesso de recursos. O Brasil é o paraíso dos
recursos processuais e impugnações. Recursos para novo julgamento na instância
superior (apelação ao tribunal, recurso especial ao STJ e recurso
extraordinário ao Supremo) e vários recursos dentro de cada uma das quatros
instâncias (embargos de declaração, agravo regimental, embargos infringentes)
totalizando dezenas de recursos. Não bastasse, corre paralelo aos recursos um
sistema de ações especiais autônomas (Habeas Corpus e Mandado de Segurança),
questionando decisões e julgamentos. Temos um excesso de recursos processuais
inviabilizando a razoável duração do processo, determinado expressamente pela
Constituição, gerando insegurança e descrença no sistema judicial.
Sexto, assistência judiciária gratuita. A Constituição
Federal garante o acesso ao Judiciário, entretanto, a legislação alargou
demasiadamente o princípio, concedendo, ao que declarar impossibilidade de
pagar custas e advogado, o acesso ao Judiciário sem taxas e a isenção de pagar
despesas do processo, mesmo quando a demanda for julgada improcedente. Acesso
livre de despesas e saída também livre de despesas em qualquer hipótese. Isso
resultou em uma explosão de demandas, aventuras e tentativas, na medida que não
há qualquer risco, em caso de perder a demanda. O demandado que vence o
processo, que teve despesas para se defender, fica com prejuízo. Esse critério
por demais amplo deve ser remodelado, permitindo a isenção de custa para o
acesso, mas com a possibilidade de responsabilização ponderada quando a demanda
for improcedente. A legislação já tem um bom sistema de proteção a todos os
devedores (impenhorabilidade de salários, poupança popular, habitação, bem de
família e instrumentos de trabalho), não havendo necessidade de isenção tão
ampla.
Sétimo, injusto processo legal. Todos os países
democráticos cultuam o "devido processo legal justo". O Brasil
institucionalizou o "injusto processo legal" . É que o Estatuto da
OAB, em 1994, tomou a verba ressarcitória de despesa com advogado, pertencente
ao vencedor do processo e transferiu para o advogado. O Judiciário reconhece um
direito de 100 e o jurisdicionado recebe somente 80, por exemplo, deixando de
ser ressarcido do que gastou com seu advogado. Por outro lado, o advogado
recebe dois honorários, os contratuais e os honorários de sucumbência, que
naturalmente pertencem a parte vencedora do processo. Caso queira receber a
despesa gasta com seu advogado, à parte vencedora tem que propor um novo
processo. Processo gerando processo, em circularidade infinita.
Temos graves problemas para resolver: 70 milhões de
processos em andamento no Judiciário, estoque de 40 mil no Supremo (números
campeões no mundo), demora, insegurança e descrença. Esse quadro é resultante
da conjugação simultânea das distorções acima resumidas. Estamos em plena
tempestade perfeita, que precisa ser enfrentada e domada. Movimentos de redução
da competência do Supremo, redução do número de instâncias, redução dos
recursos processuais, conclusão dos processos subjetivos na terceira instância
e regulamentação dos poderes dos ministros, devem ser incentivados,
fortalecidos e levados à conclusão no Parlamento.
A história ensina que o desenvolvimento e pujança das
nações dependem do desenho e estruturação das suas instituições fundamentais,
entre as quais o Judiciário, órgão produtor de decisões fundamentais e
responsável pela pacificação social. O estado judicial burocrático que vivemos
é uma zona de conforto, poder e de rendimentos financeiros para algumas
corporações, mas não é bom para a sociedade brasileira, que tem direito a um
sistema judicial justo e eficiente, conforme determina a Constituição.
i https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nos-tornamos-um-pais-judiciario-dependente-diz-gilmar-mendes,70002582065
iii https://www.conjur.com.br/2011-mai-29/segunda-leitura-falencia-sistema-judicial-penal-brasileiro
v https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/01/1953534-em-espiral-de-autodegradacao-stf-virou-poder-tensionador-diz-professor.shtml
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José
Jácomo Gimenes é juiz federal no Paraná e professor aposentado
do Departamento de Direito Privado e Processual da UEM.
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