segunda-feira, 18 de abril de 2016
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Brincantes e guerreiras
Musicistas e cantoras se destacam na cena cultural
de Brasília e ocupam cada vez mais espaço nas brincadeiras populares
FONTE: CORREIO BSB
18/04
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As Juvelinas expõem os encantados da cultura
popular
Saias rodadas, sapatilhas de couro e sorrisos
graciosos ocupam rodas de brincadeiras populares para mostrar a força das
mulheres. Protagonistas que dançam, cantam, dão voz a bonecos e vestem máscaras,
elas, que historicamente não tinham espaço para atuar como personagens nas
tradições brincantes, hoje entram em cena para simbolizar a essência da
tradição popular brasileira. Na capital,
essas princesas e rainhas participam de grupos como As batuqueiras e As
Juvelinas, nos quais expõe os encantos da cultura popular.
“A brincadeira popular traz a permissão de a gente
ser quem a gente é e para o universo feminino isso é uma forma de resgatar a
nossa essência e força”, nas palavras da musicista Júnia Cascares, brincante do
grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro. O amor às brincadeiras populares abre
caminhos e permite a interação com o próximo a partir do momento que valoriza a
pureza do ser. Segundo Júnia, quando se apaixonou pelos batuques de raiz, o objetivo
não era trabalhar com o feminino, mas esse surgiu com naturalidade nas
atuações. “Eu toco o instrumento agbê, que dentro do grupo representa as águas
e na nossa cultura simboliza a sereia do rio; pela energia da cabaça, que é um
útero, a gente entra em contato com o poder da mulher”, acrescenta a brincante.
Graciosidade na tradição
A atriz popular Luciana Meireles explica que a
participação feminina nas brincadeiras é novidade: “As tradições vêm dos
interiores, onde o patriarcado ainda é muito forte, onde as moças ainda lutam
por questões básicas de gênero”. No olhar de Luciana, só sendo mulher para
sentir o peso das opressões de gênero até na hora de dançar. “Quando virei mãe,
senti esse peso, como ser mulher diante de uma tradição onde homens são
privilegiados e moças precisam criar e cuidar dos filhos”, acrescenta. Para
ela, o grande tesouro é ver mães levando famílias para rodas de dança e
mulheres se reinventando por meio do canto. “A brincadeira atua como uma forma
de transformação, porque assim a gente pode ser livre e vencer preconceitos”,
completa.
“Hoje, me reconheço como mulher brincante que
enfrenta desafios para poder brincar”, como argumenta Luciana, as meninas
sempre precisam ter uma energia a mais que os homens para se destacar. Estudante
da cultura dos mamulengos, ela diz que, quando começou a pesquisar a tradição,
não encontrou protagonistas mulheres, por isso decidiu adaptar enredos com o
toque feminino. “A mulher acrescenta elementos às brincadeiras; elas sempre
estiveram presentes nos bastidores, costurando e bordando, mas hoje também
entram em cena e são protagonistas das próprias histórias”, explica. Para
Luciana, a partir do momento em que as damas conquistaram espaço como figuras
populares, os trabalhos ficaram mais acolhedores.
Batuque com garra e amor
Como lembra o mestre Aguinaldo Silva, que comanda o
Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado, um município no interior de
Pernambuco, logo que começou a se envolver com os encantos populares as
mulheres não entravam na roda. “Há alguns anos, a mulher não participava do
Maracatu nem do Cavalo Marinho. Até para fazer os personagens femininos eram
homens que se fantasiavam de dama; mas hoje já tem moça que bota figura e
brinca de galante”. Desde os 12 anos no cenário cultural, o mestre diz que a
presença feminina enriqueceu a cena das tradições.
“Enquanto os homens tocavam, as esposas faziam as
tarefas do terreiro e preparavam o pai de santo para os rituais”, como explica
a batuqueira Erika Kroon, por ser uma tradição de terreiro, o maracatu demorou
para evoluir e permitir a igualdade entre os gêneros. “As mulheres entraram no
toque quando o agbê passou a fazer parte da toada, mas hoje a coisa está mais
popularizada e tocamos instrumentos de percussão também”, acrescenta. Segundo
Erika, é importante destacar que, por mais que na maioria das nações de baque
solto e virado, as meninas têm participação garantida na construção do ritmo,
em alguns grupos de maracatu elas só podem dançar.
Palavra de batuqueira
Integrante do grupo As Juvelinas, Maísa Arantes é
especialista nos toques do pífano e começa a se aventurar no teatro de bonecos,
os mamulengos. Determinada a mostrar o poder feminino por meio da cultura
popular, ela conta que é importante que as moças assumam cada vez mais papéis
nas brincadeiras, como uma forma de luta contra o machismo. “No grupo, somos
oito meninas e o Seu Zé. Com ele, aprendemos a tocar todos os instrumentos das
bandas de pife e nos tornamos musicistas da cultura popular”, completa. Segundo
ela, uma banda de pífano formada por mulheres dentro da capital quebra uma
barreira histórica de preconceito entre gêneros.
Já para a musicista do grupo As batuqueiras, Layza
Crystine, a mulher batuqueira simboliza uma quebra de paradigmas. “É importante
que a gente se atreva a cantar e faça funções predeterminadas para homens”.
Como diz Erika Krron, já que para tocar no batuque popular não precisa de
partitura, o segredo é sentir e dar voz às belezas da natureza cultural. “Por
meio de uma simples troca de sorrisos, as mulheres se divertem e brilham nos
festejos com toques de beleza, encanto e gingado”.
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POESIA » A duras penas
Autoras brasilienses se esforçam para aumentar o
reconhecimento do espaço feminino na poesia
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FONTE: CORREIO BSB
18/04
Enquanto as curvas de Brasília transformam a cidade
em lugar de grande inspiração artística, mulheres brasilienses lutam pelo
espaço no universo literário para escrever e distribuir seus versos. Projetos
como o Leia mulheres se espalham na tentativa de ampliar o reconhecimento
feminino na literatura. A extensão Leia poetisas terá a primeira edição
brasiliense, em 30 de abril, com o objetivo de levar aos leitores a criação,
muitas vezes marginalizada, da poesia feminina em todo o país.
Patrícia Colmeneto, uma das criadoras do projeto,
acredita que facilitar esse acesso e possibilitar que o público conheça os
trabalhos é um passo importantíssimo para quebrar o estigma de que a poesia,
por brincar com as palavras e a linguagem, não é acessível ou fácil de ser lida
por todos. O objetivo é ampliar o acesso ao trabalho de poetas em cada cidade,
como as criações das autoras brasilienses Noélia Ribeiro, Seira Beira, Marina
Mara, Juliana Motter, Manuela Castelo Branco, entre tantas outras.
O Leia poetisas foi criado para fortalecer a cena
poética e escolheu esse nome para deixar claro que o grupo de leitura e debates
seria focado na produção feita por mulheres. Colmeneto acredita que esse tipo
de projeto é importantíssimo para equilibrar as estatísticas entre homens e
mulheres na literatura e lembra que esse é um problema histórico, já que elas
foram por muito tempo proibidas de escrever.
“Esses projetos são fundamentais, talvez agora com
todas essas discussões sobre direitos humanos e feminismo, haja uma abertura um
pouco maior, mas isso ainda tem que ser reforçado. O mercado editorial é
complicado, é importante fomentar essa leitura e incentivar que as mulheres
publiquem, seja na internet, em editoras independentes, em ebooks ou zines. É
um trabalho de formiguinha, mas tem que acontecer”, declara a escritora e
produtora.
Marina Mara, importante nome da cultura e poesia
brasiliense, lembra que as mulheres tiveram acesso aos estudos há menos de 100
anos, fato que influenciou que a produção literário fosse, em sua maioria,
feita por homens ao longo dos anos. “Muita coisa vem melhorando, pois esse boom
do feminismo serve também para reeducar nossa sociedade acerca do papel da
mulher. O termo poetisa, por exemplo, não foi criado originalmente como o
feminino, mas o diminutivo de poeta. Por isso, me nomino poeta”, afirma. A
autora acredita que, para incentivar a produção literária atual, deveria ser
previsto como política pública a oferta de mais oportunidades para poetas e
novas escritoras e ressalta que editoras independentes e editoras por demanda
são um bom caminho para quem quer começar a publicar em pequenas tiragens.
Mais espaço
O projeto Pipocando poesia, de Manuela Castelo
Branco, criado há cerca de seis anos, procura ampliar os espaços da escrita e
leitura poética na cidade. Castelo Branco destaca que a ideia é possibilitar um
equilíbrio de gêneros e, sendo assim, a autora já teve a companhia em seus
trabalhos no pipocando de poetas brasilienses como Lilia Diniz, Marina Mara e
Noélia Ribeiro.
A escritora destaca que esses projetos devem ser
sempre incentivados para ampliar a quantidade de público que tem acesso à
poesia e a possibilitar que jovens e antigas poetas tenham seu reconhecimento
literário. Para a escritora, é importante reconhecer que a poesia, escrita ou
recitada, é também um trabalho e não apenas feita por hobbie. “Poucos
escritores conseguem viver do escrevem hoje em dia, a gente tem que se virar de
outras maneiras”, destaca.
Nova geração
Intervenção poética
de Julianna Motter (Juliana Motter/Divulgação)
Intervenção poética de Julianna Motter
A poeta Julianna Motter, 24 anos, faz parte da nova
geração de escritoras brasilienses, que além de ocupar o espaço das ruas e
dialogar com a cidade através de seus versos, utiliza as redes sociais para
aumentar o seu alcance.
A escritora, que cresceu em uma família envolta pela
arte das palavras, ressalta que todos os espaços são menores para as mulheres e
que é de extrema importância incentivar moças e meninas a não se sentirem
intimidadas em publicar, escrever ou recitar; ampliando sua produção poética e
literária e a presença de novos nomes no circuito poético de Brasília.
Para ajudar no fomento dessa produção feminina, a
escritora destaca: “Essa ideia de ler mulheres na poesia já nos dá uma chance
de nos colocar por aí, então é importante criar mais iniciativas nesse sentido,
mais saraus e eventos voltados para a produção feminina, mais respeito de parte
da comunidade literária. Quantas poetisas você leu no ano passado? Acho que
questionar mesmo essa marginalização da mulher não só dentro da poesia, mas na
literatura como um todo, e propor debates, lugares, compartilhar, mapear,
distribuir”.
Aliado
Motter destaca que o exercício da escrita, além da
dedicação e sentimentalidade, são importantes aliados e conta ainda que as
mídias sociais foram um espaço aliado, possibilitando que sua poesia chegasse
ao público e que os leitores pudessem sempre trocar ideias e construir uma
relação mais íntima. “Recebo muitas mensagens carinhosas, muitos abraços. A
internet me possibilitou estar em Curitiba, São Paulo e Goiânia estando aqui.
Ou estar nesses lugares e ser abordada por alguém que me lê estando há centenas
que quilômetros”, conta a autora.
Outro espaço em que sua construção poética encontrou
espaço foi o das ruas, muros e outros pontos de transição da cidade, que se
tornam muitas vezes depreciados ou, até mesmo, invisíveis. “Todo mundo tem
direito a ter acesso à arte. A minha poética é da rua, ela caminha a W3 inteira
a pé para se encontrar, ela gosta de pedalar pelo Eixão, pela L2, de passar
umas horas no Setor Comercial Sul, subir para a Torre e comer um acarajé. Minha
poesia é para ganhar vida em gente, não para morrer num livro”, conta. O
trabalho dela, com os lambe-lambes espalhados por Brasília nasceu em conjunto
com o de Alyssa Volpini, que ilustra as poesias de Motter e cria versos
ilustrados que se expandem entre Brasília, Goiânia, Pirenópolis, Curitina,
Buenos Aires e onde mais for possível chegar.
domingo, 10 de abril de 2016
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ENTREVISTA /CARLOS
HEITOR CONY »
"O Brasil é um
Frankenstein"
Escritor e jornalista se mostra pessimista com o
rumo que o país está tomando, relembra da amizade com JK e ataca a presidente
Dilma
CORREIO BZB 12.03
Rio de Janeiro — Na sala de seu apartamento na
Lagoa, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, que completa 90 anos amanhã,
aparece em cadeira de rodas conduzido pelo enfermeiro. Em sua estante, a foto
com o fardão da Academia Brasileira de Letras fica ao lado de livros e objetos
ligados aos tempos em que esteve no seminário católico e que convivem
pacificamente com o menorá (símbolo judeu) da esposa, Beatriz, companheira de
quase 40 anos.
Depois de um acidente em 2013, em uma viagem para a
Alemanha, no qual bateu a cabeça e teve um coágulo no cérebro — que afetou o
movimento do lado direito do corpo. Uma das coisas que o deixou mais chateado
foi quando um cheque seu voltou porque a assinatura não batia, a mão ainda
treme um pouco. Avesso a comemorações, não planejou nada para o dia do
aniversário. Não quer saber de festa.
Atualmente, vive recluso, cuidado por três
enfermeiros, que se revezam. Mas isso não o impede de escrever e gravar
programa diário de rádio. Conta que agora a vida é “trabalhar e tomar remédios”
(risos).
O escritor não esconde seu pessimismo com a vida e
com o Brasil. “O país é um Frankenstein,
feito de pedaços dos outros e que não tem identidade”, afirma. Ele se diz
contra qualquer governo e, para ele, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva fariam um favor ao Brasil se fossem embora do país.
O escritor define Dilma como uma “louca não
saudável” e sem credenciais para continuar no poder. Já deveria teria
renunciado. “Ela não tem sensibilidade para administrar nem uma lojinha de
secos e molhados. Mas é isso. Não vejo muita saída para ela, não”, pontua. No
seu entender, Lula é um ditador, apesar das qualidades de conseguir falar com o
povo. “Ele tem a semente da ditadura. Qualquer coisa apela para militância.”
Além da fumaça do charuto, o que mais o agrada são
as cores preta e branca. O colorido
confunde, segundo ele.
A seguir, os principais trechos da entrevista
concedida ao Correio na última quarta-feira.
O senhor que já viveu
vários momentos da
história do país, agora vai fazer 90 anos, como
está vendo esse momento atual da política
brasileira?
Eu não sei se eu vivi tanto assim. Numericamente,
sim. Temporalmente, sim. Mas eu tive uma vida até certo ponto reclusa, a não
ser no trabalho. Tinha a necessidade de trabalhar — porque eu nunca fui rico,
não ganhei herança, não descobri petróleo. Então, tive que trabalhar. E,
trabalhando, fiquei um pouco com aquele troço de “nasci cansado”. Tem um verso
que eu ouço muito e pode tomar nota porque serve para você também. “Meu avô
morreu na luta, meu pai pobre cansado, fatigou-se da labuta e por isso nasci
cansado.” Esses versos são de Orestes
Barbosa. Um letrista famoso. Mas definem tudo. Meu cansaço, minha reclusão, é
anterior a mim mesmo.
O senhor é pessimista?
Eu sou pessimista. Considero o otimismo má
informação. Só pode ser otimista o sujeito mal-informado. Quanto mais
informação você tem, mais você tende a ficar pessimista. Não vou dizer que eu
não tenha sido feliz. Dentro da condição humana, procurei ser o mais humano
possível. Mas não cheguei lá.
Com este cenário político em ebulição, com tantas
mudanças e reviravoltas. Como o senhor avalia
o momento que o Brasil está passando?
Eu me defini com um sujeito pessimista. Nunca fui
otimista, sobretudo em relação ao Brasil. Sobretudo em relação à vida.
Considero a vida uma coisa estranha e eu sou mais estranho que a vida. E o
homem continua insistindo. Fez coisas maravilhosas na arquitetura, na pintura,
na música e na literatura. Mas dificilmente ele ficou satisfeito. O cenário
principal do escritor é a solidão e o silêncio. Sempre que posso, fico
escondido. Quando era criança, meu lugar preferido era ficar embaixo da mesa da
sala de jantar. Quando minha mãe ia me procurar, me achava embaixo da mesa. Eu
ficava em silêncio. De chupeta na boca. Eu via o mundo da cintura para baixo.
Como nos desenhos do Tom&Jerry. Minha paisagem era essa. E quando eu fui
obrigado a me levantar, não achei muito divertido, não.
O senhor não gostou do
que viu, mas teve uma
produção bastante intensa, com 17 romances, contos,
crônicas...
Sempre fui um bom trabalhador. Não fui preguiçoso.
Se eu não tenho uma obra boa, eu tenho uma obra vasta, mas não me sinto
realizado.
Por quê? O senhor ganhou vários prêmios...
Para você ter uma ideia. Eu fui preso seis vezes.
Sempre por motivos políticos. As prisões variaram de tempo e de lugar.
Geralmente, eram em quartel. Eu fiquei preso desde uma semana até seis meses.
Estranhamente, foi talvez o lugar e a temporada mais livres que eu tive. Primeiro,
porque estava no lugar certo. Não precisava mais dar opinião nenhuma e não
gastava dinheiro. A sensação era que eu estava no lugar certo. Eu lembro que
uma das minhas prisões foi no Natal e ano-novo. Fiquei tão satisfeito em estar
preso. Sempre tive essa desconfiança de não estar no lugar certo. De ser o
homem errado no lugar errado. Sou um homem errado no lugar errado. Ao contrário
do right man in the right place. Sou o homem errado e me sinto aparentemente
bem no lugar errado.
O senhor foi um dos que defenderam a saída do
presidente João Goulart e
também apoiou o golpe de 1964 com o editorial
Basta! Depois, o senhor
deu algumas declarações de que tinha se arrependido
de ter apoiado...
Eu não me arrependi, não. Muita gente fala isso.
Primeiro, me atribuem ter escrito os dois editoriais famosos do Correio da
Manhã. Eu era editorialista. Aqueles dois editoriais Basta! e Fora! não foram escritos por mim.
Participei como autor do texto final. Mas não mexi no texto. Tirei advérbio de
modo, tirei uma vírgula, botei uma vírgula, mas não fiz o editorial. Agora, o
Correio da Manhã vinha numa campanha muito feroz contra o João Goulart. Elio
Gaspari tentou descobrir quem é o autor e não descobriu... (risos)
E quem foi?
A lenda é que teria sido eu o autor. Porque eu
escrevia muito contra o governo. Não contra o João Goulart. E acharam que o
estilo também era meu. Fiz o texto final na realidade, mas o conteúdo não, de
jeito nenhum. Eu não teria feito aquilo. Agora, minha obrigação de
editorialista era tirar certas palavras muito pouco usadas naquele tempo, como
necrópole ou nosocômio, como sinônimo de hospital. Eu não mudei de ideia. Tem
gente que acha que eu mudei de ideia. Assim como que não aprovava o governo de
João Goulart, que eu achava que era mau-informadamente (sic) socialista, achava
também que o golpe de estado e, sobretudo, as medidas ditatoriais mereciam
repúdio. E expressei esse repudio em 2 de abril daquele ano, um dia após o
golpe, eu escrevi uma crônica, não uma coluna de política. Não me considero
colunista. O cronista comenta o fato do dia. E eu comentei os movimentos que eu
vi como um cronista. Eu não era político. Eu nunca gostei (de política).
O senhor foi preso na mesma época que Juscelino
Kubitschek.
Como foi a convivência com o ex-presidente?
Foi na época do AI-5. Eu fui preso antes. Juscelino
foi levado para um quartel em São Gonçalo. Mas, aí, a família começou a se
mexer, e o doutor Aloísio Sales escreveu uma carta dizendo que o Juscelino
tinha pressão alta, diabetes, e conseguiram que ele saísse antes do Natal. O
AI-5 foi em 13 de dezembro de 1968 e ele saiu antes no dia 22 ou 23. Ele tinha
ido ao Theatro Municipal do Rio para uma festa de formatura e, quando ele
estava saindo, um oficial deu um chute na canela e ele não caiu no chão por
sorte. Agora, eu fui preso no mesmo dia do AI-5, por volta das 21h, e fui para
outro quartel, em São Cristóvão. E fiquei lá até depois do carnaval. Essa foi
minha segunda prisão.
E como o senhor teve contato com ele
para escrever as memórias de JK?
Nunca tive contato antes de escrever a biografia.
Fui convidado pelo Adolfo Bloch (dono da Manchete) para escrever a biografia do
ex-presidente. Mas quem assina os livros é o próprio JK. Escrevi em primeira
pessoa e ele lia antes e aprovava antes de mandarem imprimir. Na parte final,
que era duro. Eu não toquei nos problemas particulares dele com a dona Sara.
Dormiu várias vezes no meu carro. Passei por cima disso.
Mas por que ele não se
divorciou?
Ele nunca faltou ao respeito com a dona Sara
publicamente. Ela, volta e meia, queria o desquite. Mas Juscelino morreu com a
esperança de ainda ser chamado para voltar para a política. E ele achava que um
homem desquitado, divorciado, seria um elemento contra ele. Por isso, não
queria se divorciar de jeito nenhum, mas vivia com a amante dele, a Lucia
(Maria Lúcia Pedroso). Viajava com ela. Esteve em Paris com ela, inclusive. Há
um famoso equívoco, e muita gente embarca nisso até hoje, de que ele teria ido
para Rio no dia em que morreu para se encontrar com a Lúcia. Mas não é verdade.
Ele veio ao Rio porque tinha uma reunião com advogado que acabara de chegar de
Lisboa. JK estava respondendo a um processo em Portugal. O advogado era o
português Adriano Moreira. Uma senhora muito poderosa comprou um terreno perto
de Setúbal e fez uma espécie de resort e incluiu dois brasileiros como membros
do conselho consultivo, e Juscelino era um deles, com mais 15 pessoas. Ele já
tinha cumprido a pena de cassação de mandato. E se fosse preso em Portugal,
atrapalharia seus projetos políticos. Ele tinha marcado um almoço no Rio com o
advogado e não queria que ninguém soubesse. Tinha uma passagem para Brasília e
mostrou para todos, inclusive para mim, mas não foi. Combinou com o motorista e
veio o desastre.
Tapete vermelho...
Antes da entrevista, enquanto saboreava um
chocolate, Carlos Heitor Cony relembrou sua primeira crônica para a revista
Manchete. Tapete vermelho era o título do texto que escreveu sobre a visita da rainha Elisabeth II ao
Brasil. “Ela se hospedou no Hotel Nacional em Brasília. Eu não fui lá, mas
minha crônica dizia que essas pessoas famosas, rainhas, presidentes e atrizes,
devem achar que o mundo é vermelho porque só pisam em tapetes vermelhos”,
afirma. “Na cabeça deles, o mundo é forrado por um tapete vermelho. As
considerações paralelas, o que significa a fama, são secundárias. O fato é que,
quando eles morrerem, vão pensar que a terra é toda vermelha”, brinca ele,
rindo. “Foi minha primeira experiência em cor. Antes, no Jornal do Brasil e no
Correio da Manhã era só preto e branco. Não havia cor em minhas crônicas. Mas
eu nunca gostei muito de cor. Sinceramente (risos)... Eu prefiro jornal em
preto e branco. Porque a vida é preto e branco, embora tenha muita cor”,
afirma. “O mundo colorido dispersa muito ao passo que o preto e branco, ou é
preto ou é branco. Ou é bom ou é mau. Ou é bonito ou é feito. Está mais de
acordo com a formação antológica do homem. Quando você vê cor, há equívocos”,
completa.
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