quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
MANCHETES DO EDU
Texto de Ferreira Gullar
FOLHA SP
08/13
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A bolsa e a vida
Os planos de saúde tornaram-se um grave problema
para milhões de brasileiros, que os pagam mensalmente. Como o SUS não dá conta
do atendimento à vasta maioria dos brasileiros mais pobres, quem pode, ainda
que apertando as despesas, contrata um plano de saúde, confiando em que, quando
necessitar, será atendido. A verdade, porém, é que, a cada dia que passa, isso
se torna mais difícil.
Uma das explicações para essa dificuldade -além do
número crescente dos que fogem do SUS- seria que as empresas dos planos de
saúde, embora cobrem caro aos assinantes, pagam mal aos médicos. Em face disso,
eles dão preferência aos pacientes que não têm plano de saúde e dos quais, em
geral, cobram caro.
A coisa se complica ainda mais quando se tornam
necessários exames de laboratório, chapas de raio-X etc. O número de pacientes
que solicitam esses exames é cada dia maior, já que hoje todo diagnóstico
necessita desses exames.
A verdade é que há que ter muita paciência para
conseguir realizar esses exames, para entregar a solicitação e, mais ainda,
para receber o resultado. Se se tratar de um caso grave, que exige urgência, o
desastre torna-se quase inevitável. Os mais prejudicados são os idosos, que
pagam muito mais caro que os demais, têm necessidade de recorrer aos planos com
mais frequência e nem sempre são atendidos em tempo.
Um exemplo disso é o caso que vou contar agora,
cujo personagem é idoso. Vamos chamá-lo de Pedro. Já com seus 80 anos, mas
saudável, e por isso quase nunca se valendo do plano de saúde, Pedro se deu
conta de que seus pés tinham ficado dormentes. No começo, não deu importância
ao fato, mas quando alguém lhe disse que aquilo poderia ser consequência de má
circulação do sangue nos pés, decidiu procurar um angiologista, especialista no
assunto.
Com dificuldade, conseguiu marcar a consulta, foi
examinado e o resultado é que não havia qualquer problema de circulação em seus
pés. "Isso é nervo, deve ser problema da coluna vertebral. Procure um
ortopedista", disse-lhe o médico.
Foi de novo uma dificuldade para marcar a consulta,
mas conseguiu agendá-la. "Isso é medula", afirmou o ortopedista e
solicitou um raio-X panorâmico de sua coluna vertebral. Aí começou o drama.
Pedro telefonou para várias clínicas a fim de
marcar a radiografia solicitada pelo ortopedista. Falar com as clínicas é um
desespero: você liga, atende uma gravação que lhe apresenta uma série de
opções.
Você escolhe a que lhe interessa, digita o número e
fica esperando, enquanto começa a tocar uma música e uma voz lhe diz que é uma
honra atendê-lo, e que isso se fará dentro em pouco. Você fica ali ouvindo a
música e a promessa de ser atendido, mas nada acontece.
Pedro já estava a ponto de desistir quando
finalmente o atenderam. Ele disse o que desejava e recebeu a seguinte
informação: não se marca hora, a pessoa é atendida por ordem de chegada; quem
chega primeiro é atendido primeiro. Perguntou então quando começava o
atendimento e a telefonista lhe disse que era a partir das oito da manhã. Mal
conseguiu dormir, preocupado em chegar cedo à clínica.
Acordou, tomou um gole de café e se tocou para lá.
Chegou 20 para as oito e já tinha três pessoas em sua frente. Menos mal. Sucede
que às 8h ainda não havia chegado o pessoal do raio-X e às 8h20 ninguém ainda
havia sido atendido.
Quarenta minutos depois, a atendente, que examinara
a guia médica, lhe disse que ali não se fazia raio-X panorâmico. Pedro voltou
para casa desapontado. Sem outra alternativa, passou a ligar para diversas
clínicas disposto a encontrar uma que o atendesse. Nenhuma delas fazia raio-X
panorâmico.
Sem saber o que fazer, ligou para o ortopedista,
que o aconselhou a perguntar para o plano de saúde qual clínica fazia o tal
raio-X panorâmico. Recebeu da atendente o telefone de cinco clínicas.
Ligou para a primeira, que disse que não fazia esse
tipo de raio-X; a segunda respondeu a mesma coisa, e assim também a terceira e
a quarta. Apenas a quinta clínica admitiu que fazia, mas só poderia atendê-lo
dali a um mês e meio. E Pedro paga R$ 1.700 por mês por seu plano de saúde.
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